segunda-feira, 30 de maio de 2016

É America Latina...



Luz, medicamentos ou comida. Retrato da escassez na Venezuela

Eleito em 2013, após a morte de Hugo Chávez, Maduro enfrenta uma oposição que ganhou as parlamentares de dezembro e quer fazer um referendo para revogar o seu mandatoAdicionar legenda

  |  EPA/MIRAFLORES PALACE
Pub


Saúde, educação e habitação tornaram-se sinónimos da revolução bolivariana sob a liderança de Hugo Chávez. Agora, cresce o desabastecimento, a insegurança e a contestação a Nicolás Maduro.



Comida. Filas de várias horas para alimentar a família
O desabastecimento obriga as famílias venezuelanas a passar horas em filas em frente aos supermercados para comprar produtos básicos cujo preço é subsidiado, como o arroz, o azeite, o açúcar ou a farinha de milho (que custa agora dez vezes mais do que no início do ano). Aguardam a chegada dos camiões, nunca sabendo o que trazem ou o que vão poder comprar - o consumo é controlado para evitar a revenda de produtos no mercado negro, com as redes sociais a serem usadas como montra para trocas. Para muitos venezuelanos, saltar uma refeição diária já é a norma. O governo do presidente Nicolás Maduro acusa a oposição e os empresários de direita de estarem por detrás da "guerra económica", mantendo os produtos armazenados e impedindo que cheguem às prateleiras dos supermercados. Empresas como a Coca-Cola ou a Polar (na foto) já tiveram de parar a produção por falta de matérias-primas, com o governo a autorizar os trabalhadores a tomarem o controlo das fábricas.

Dinheiro. Inflação recorde que aumento salarial não cobre
A escassez de produtos faz disparar a inflação na Venezuela, que em 2015 registou o valor mais elevado do mundo: 180%. E o cenário é ainda mais negro para os próximos anos, com as estimativas do Fundo Monetário Internacional a dizerem que pode chegar aos 720% neste ano e aos 2200% em 2017. Os constantes aumentos do salário mínimo e das pensões decretados por Maduro (a 1 de maio anunciou um aumento de 30%, o 12.º desde que foi eleito presidente em 2013) são insuficientes e contraprodutivos. "Em vez de ajudar os venezuelanos vai prejudicá-los, pois implicará uma maior aceleração dos preços, em plena crise de escassez de bens", disse a economista Anabella Abadi, da empresa ODH, à imprensa local.

Medicamentos. Farmácias falam em crise humanitária
A saúde costuma ser apontada como uma conquista da revolução bolivariana, iniciada pelo falecido presidente Hugo Chávez depois de ter sido eleito em 1999. Mas os relatos que chegam atualmente do país apontam para uma deterioração dos indicadores. O The New York Times, que publicou neste mês uma reportagem sobre maternidades venezuelanas, indicou que a taxa de mortalidade neonatal nos hospitais públicos aumentou de 0,02% em 2012 para mais de 2% em 2015. No dia em que os jornalistas fizeram a reportagem, morreram sete bebés só num hospital. Em abril, a Federação Farmacêutica da Venezuela falou numa "crise humanitária", citando um desabastecimento de 80% e a falta de disponibilidade de 826 medicamentos essenciais.

Água e luz. El Niño piorou um problema antigo
Num país onde 70% da eletricidade é produzida em centrais hidroelétricas, a seca provocada pelo fenómeno climático El Niño veio provocar cortes não só no abastecimento de água mas também de luz. Os problemas não são novos, mas têm vindo a piorar. Uma reportagem do The Wall Street Journal, publicada no início de abril, dizia que na ilha Margarita (um dos principais destinos turísticos do país) o governo só garantia água potável uma vez a cada 21 dias. Em Caracas, o abastecimento estava interrompido entre dois e quatro dias por semana. A falta de água obrigou também a cortes de luz: a situação é tão grave que os funcionários públicos só trabalham apenas dois dias por semana para poupar eletricidade.

Gasolina. Ainda é mais barata que a água mas subiu 6000%
A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo e a sua dependência do ouro negro explica a crise económica. Quando o preço do barril rondava os 130 dólares, o país tinha dinheiro para investir nos programas sociais. O problema é que agora ronda os 50 dólares. Com tanto petróleo, a gasolina sempre foi subsidiada pelo Estado e por isso muito barata na Venezuela. Em fevereiro, o presidente anunciou a primeira subida de preços desde 1997, para poupar nos subsídios. O combustível continua a ser mais barato do que a água - segundo as contas feitas há três meses, um dólar seria suficiente para comprar mais de 170 litros - mas ainda assim houve um aumento de 6000%. Em 1989, a proposta de aumentar a gasolina em 100% foi um dos rastilhos para violentos protestos contra o então presidente, Carlos Andrés Pérez. Mas desta vez os venezuelanos aceitam o aumento.

Segurança. Três cidades entre as mais violentas do mundo
Em fevereiro, o governo venezuelano anunciou que a taxa de homicídios caiu em 2015 para 58 em cem mil habitantes - contra 62 em cem mil no ano anterior. Mas a Venezuela continua a ser um dos países mais inseguros do mundo, com três das suas principais cidades entre as dez mais perigosas - com Caracas à cabeça, Maturín em 5.º e Valencia em 7.º. Nos três primeiros meses deste ano, houve 4700 homicídios e 74 linchamentos populares (metade dos quais acabaram por se revelar mortais), prova do descrédito dos venezuelanos na justiça.

Liberdade. Oposição fala em dezenas de presos políticos
Os protestos do início de 2014 contra Nicolás Maduro acabaram com a morte de 43 manifestantes e vários opositores, como Leopoldo López, detidos e condenados por incentivar a violência. A oposição diz que são presos políticos e que como eles há mais cerca de sete dezenas na Venezuela. O governo fala em políticos presos. No meio da crise de desabastecimento e insegurança e depois de ter conseguido uma maioria absoluta nas eleições parlamentares de dezembro, a oposição deu os primeiros passos para a realização de um referendo revogatório do mandato de Maduro - um processo que, a avançar, vai ser longo.

sábado, 14 de maio de 2016

Zika, zika... cuidados!



Novo estudo mostra como zika ultrapassa a placenta e alcança o feto
Transmissão é comprovada pela primeira vez em animais e reforçam ainda mais a relação entre a doença e casos de microcefalia
Vilhena Soares - Correio Braziliense Publicação:13/05/2016 15:00Atualização:12/05/2016 14:38 




Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais
Saiba mais...
Dois estudos, um deles feito no Brasil, conseguiram comprovar em camundongos fêmeas grávidas que o vírus zika é capaz de atravessar a placenta e infectar o feto, uma comprovação há muito tempo perseguida por cientistas. Com os achados, se torna ainda mais forte a hipótese de que a doença é mesmo a causa dos casos de malformação neurológica, que inclui a microcefalia, em crianças.

Além disso, ambas as pesquisas fornecem modelos animais suscetíveis ao vírus de maneira parecida à do corpo humano, o que favorecerá o desenvolvimento de vacinas e terapias que impeçam a infecção de bebês durante a gestação. O trabalho nacional, conduzido na Universidade de São Paulo (USP), traz ainda uma notícia preocupante: a variante do zika que circula no Brasil se mostra mais agressiva que a africana (veja infografia).

Publicado na prestigiada revista Nature, o artigo brasileiro trabalhou com duas linhagens geneticamente modificadas de camundongos desenvolvidas no laboratório do imunologista Jean Pierre Peron. Ratas grávidas foram infectadas com o vírus retirado de uma criança diagnosticada na Paraíba. Em apenas uma das linhagens, os fetos apresentaram problemas de formação. Por meio de análises microscópicas, os pesquisadores constataram diferenças da espessura do córtex cerebral dos filhotes, que apresentavam um número reduzido de células.

“Encontramos danos cerebrais, como a microcefalia. Registramos também a restrição do crescimento intrauterino. Os ratos infectados pelas mães eram menores do que os que haviam nascido de fêmeas não infectadas”, conta ao Correio Patrícia Beltrão, líder desse estudo.

Ela destaca que as observações do experimento corroboram a suspeita de que o vírus consegue atravessar a placenta, principal órgão protetor dos fetos e que, geralmente, impede a passagem de vírus da mãe para o filho, inclusive o da Aids. “Nenhum trabalho anterior havia mostrado em animais que o zika consegue ultrapassar a placenta. O mais próximo que se havia chegado nessa conclusão foi o caso de uma europeia que veio trabalhar no Brasil, ficou grávida e interrompeu sua gestão quase na hora de o filho nascer. Na análise do feto, foi encontrado o zika nos tecidos, mas, como ele tinha outras infecções no organismo, a ligação direta com o vírus não pôde ser feita”, explica a autora.

Modelo
Outra grande contribuição do estudo é apresentar um modelo animal que é atacado pelo zika de forma semelhante à do ser humano. Com isso, se torna mais fácil realizar estudos que buscam combater o vírus. “Agora, temos ferramentas que podem ajudar a investigar a eficácia de uma vacina e verificar possíveis medicamentos que podem surgir com o objetivo de impedir a passagem do vírus, ou pelo menos diminuir seus efeitos negativos”, destaca Beltrão.

O fato de apenas uma das linhagens de camundongos testadas ter resultado em danos para os filhotes já traz uma possibilidade de investigação. As fêmeas cujos fetos não foram infectados pelo zika produzem uma maior quantidade de dois tipos de interferon, substância secretada pelo sistema imune. Investigar melhor a resposta imunológica das duas linhagens pode abrir caminhos para uma vacina ou outra forma de proteção.

Para Amilcar Tanuri, pesquisador do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o trabalho mostra dados de grande importância, que corroboram pesquisas anteriores sobre o zika. “Em nosso laboratório, fizemos pesquisas semelhantes, mas não em animais, e esses dados se parecem muito com o que encontramos. Mostram como o vírus pode atacar o cérebro de fetos. A importância de criar um modelo animal é que com ele temos dados mais próximos da ação do vírus”, avalia o especialista, que não participou do estudo.

Tanuri diz ter apenas uma ressalva em relação aos experimentos da USP. “A quantidade de vírus usado nos camundongos foi muito grande, o que levanta um risco de se ter observado um efeito exagerado, tanto que os autores viram danos mais agudos que os vistos em crianças com microcefalia, como a encefalite (inflamação cerebral)”, observa. O especialista da UFRJ, contudo, vê grandes contribuições para a área de pesquisa. “É um modelo válido, que precisa ser mais explorado, já que ainda não sabemos qual o mecanismo usado pelo vírus para que ele consiga driblar o sistema de resistência da placenta.”

Forças distintas
Além dos testes em camundongos, os pesquisadores da USP realizaram experimentos com minicérebros, estruturas orgânicas criadas em laboratório que imitam o órgão humano. Esses organoides fora infectados com o zika que circula no Brasil e a variante africana para comparar o potencial de dano dos dois.

Como resultado, observou-se que, após quatro dias de infecção, a linhagem do Brasil provocou maior mortalidade de células cerebrais que o africano. Outro achado foi a observação que o vírus infectou as células em diferentes estágios, desde as progenitoras até os neurônios, o que indica risco durante todas as fases da gravidez.

Em um último experimento, os autores também compararam as infecções em minicérebros com células de chimpanzés. Eles constataram que a estirpe brasileira não se reproduziu nos organoides dos primatas, diferentemente da linhagem africana. De acordo com os pesquisadores, isso mostra que a linhagem do Brasil sofreu alterações que tornaram seus efeitos mais específicos para as células do sistema nervoso humano.

Time americano faz achado semelhante
Um outro estudo que também constatou a passagem do vírus zika pela placenta foi publicado por uma equipe da Universidade de Washington na revista Cell. De forma semelhante ao time brasileiro, os pesquisadores na instituição americana usaram modelos de camundongos — um geneticamente modificado para que mecanismos de defesa contra o vírus não funcionassem e outro sem nenhuma alteração.

Também nesse trabalho, fêmeas grávidas foram infectadas com o zika. Na linhagem modificada, o vírus matou a maioria dos fetos em uma semana, e os que sobreviveram tiveram seu desenvolvimento gravemente retardado. No outro modelo animal, os fetos não morreram, mas tiveram o crescimento prejudicado e danos neurológicos. “Na maioria das vezes, a placenta funciona como uma barreira entre a mãe e o feto, mas o zika foi capaz de superar isso”, disse Indira Mysorekar, coautora do estudo.

O material genético do vírus permaneceu no corpo e no cérebro dos fetos até o 16º dia de gestação, um período crítico para o desenvolvimento cerebral. “É a primeira demonstração (ao lado do estudo brasileiro) em um modelo animal da transmissão uterina do zika vírus, e ela mostrou alguns dos mesmos efeitos que temos visto nas mulheres e nos seus filhos”, afirmou, à agência France-Presse, Michael Diamond, professor de medicina e microbiologia molecular na Universidade de Washington em Saint Louis. “Nosso trabalho mostrou também que o vírus, por si só, é suficiente para provocar malformações congênitas sem a intervenção de outros fatores externos, pelo menos no caso dos ratos.”

Multiplicação
Não foi observada microcefalia nos fetos em nenhum dos experimentos, o que pode se dever às diferenças biológicas entre humanos e os ratos utilizados. Os autores se disseram surpresos com a grande quantidade de zika observada na placenta das ratas usadas na pesquisa. A concentração do vírus no órgão era mil vezes maior que a encontrada no sangue materno, o que  sugere uma multiplicação durante a migração da infecção.

“Essas informações podem ser utilizadas em ensaios de vacinas para descobrir se é possível evitar a infecção uterina. Podemos também testar agentes terapêuticos para tratar gestantes infectadas e ver se conseguimos impedir a transmissão para o feto”, disse Diamond em um comunicado à imprensa.

Os pesquisadores também observaram que os ratos nos quais foram injetados anticorpos sofreram menos danos. Eles acreditam que essa possa ser uma possível esperança para tratamentos futuros de prevenção. “Durante anos, temos estudado as infecções transplacentárias. É gratificante ser capaz de aplicar toda essa experiência para algo que, de repente, se tornou muito importante em todo o mundo”, declarou Mysorekar.


sábado, 7 de maio de 2016

Sadiq Kahn, prefeito de Londres



Sadiq Kahn pode fazer história ao comandar Londres
Getty Images 
 Sadiq Khan: com 43% das intenções de votos, advogado de 45 anos pode fazer história ao se tornar o 1º muçulmano a comandar a capital britânica

São Paulo – As disputadas eleições para definir quem, afinal, sucederá o conservador Boris Johnson no cargo de prefeito de Londres devem chegar ao fim nesta sexta-feira. E, até o momento, o pleito caminha para um resultado histórico e que pode fazer com que o candidato trabalhista Sadiq Khan se torne o primeiro muçulmano a comandar a capital britânica.

Até agora, números do site oficial das eleições londrinas, que acompanha ao vivo a apuração das urnas, apontavam a vitória de Sadiq contra seu maior rival, o conservador Zac Goldsmith. A expectativa é que o novo prefeito de uma das maiores metrópoles do mundo seja anunciado no final da tarde (horário local).

Com o slogan “um prefeito para todos os londrinos” e uma plataforma que pretende combater a discriminação, Khan, se eleito, consolidará os resultados positivos obtidos por ele durante a corrida eleitoral.

Ontem, uma pesquisa final conduzida pelo site YouGov mostrava a preferência dos eleitores em relação ao candidato trabalhista. Na ocasião, ele liderava com 43% das intenções de voto.

Diversidade
Sua vitória consolidará também os contornos de diversidade que o Reino Unido vem ganhando nos últimos anos. Dados compilados pelo Observatório de Migração da Universidade de Oxford mostram que a população de estrangeiros no país é hoje de 8,3 milhões de pessoas. 36,9% deles estão justamente em Londres.

Os indianos compõem a maioria do grupo de pessoas nascidas fora do Reino Unido e que residem na capital do país (9,3%). Em segundo lugar estão os poloneses (aproximadamente 5%) e em terceiro está a comunidade paquistanesa (4,3%), da qual Khan é parte.

Quem é Khan
O candidato nasceu em Londres em 1970 e foi criado em Earlsfield, subúrbio majoritariamente ocupado pela classe trabalhadora. É filho de um motorista de ônibus e uma costureira que imigraram do Paquistão para o Reino Unido na década de 60. Se diz fã de esportes e, além de ter praticado boxe em uma academia do bairro na juventude, é torcedor do Liverpool.

Khan conheceu sua esposa Saadya na escola e o casal hoje tem duas filhas. Advogado especializado em direitos humanos, diz ter visto em primeira mão os impactos da discriminação contra as minorias e se sente determinado em combater essa prática social.

Muçulmano moderado, Khan nunca ingeriu bebida alcoólica e votou a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Sofreu ameaças por parte de radicais islâmicos por essa posição, mas prometeu ser combater todas as formas de extremismo.
Questões relacionadas a esse extremismo e atividades terroristas também estão no foco de sua campanha. Quer colocar medidas que visam coibir a radicalização com foco no jihadismo. Temas sensíveis e especialmente preocupantes não apenas para Londres e o Reino Unido, mas para a Europa como um todo.