A PEC 241
e as suas principais falácias
por
Marcos de Aguiar Villas-Bôas — publicado 13/10/2016 11h09, última modificação
25/10/2016 15h30
Um guia
didático para entender, enfim, a PEC do limite de gastos, e nove erros
embutidos no discurso de seus defensores
Lula
Marques / AGPT
Ato
contra a PEC 241 na Câmara: a emenda não garante crescimento
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Falácia 1: A PEC 241 reduz os gastos com educação, saúde,
salário mínimo, infraestrutura etc.
Correção 1: Ela não reduz gastos de imediato, mas limita o aumento no
futuro. Deste
modo, não resolve nada em curto prazo e não terá grandes efeitos sobre a crise
econômica, apesar de garantir expectativas de solvência.
Como o PIB voltará a crescer em algum momento, com
o limite de gastos, o Estado se contrairá necessariamente, e isso independe dos
fatos e das políticas que se queira adotar.
Não se sabe quantas pessoas nascerão, quantas
ficarão doentes etc. Com o aumento da expectativa de vida, certamente haverá
aumento populacional e, portanto, mais gastos serão necessários. A despesa per capta com
educação, que já é pequena, ficará muito menor.
A PEC engessará as políticas públicas, desacelerará
o progresso socioeconômico, pois reduzirá gastos sociais e investimentos.
O Brasil precisa reformar as instituições e as
políticas que pressionam o gasto, e não passar uma régua rígida sobre eles de
forma açodada, que não resolverá os graves problemas do País.
Haverá descumprimento da regra da PEC ou
desarrumação ainda maior das instituições e políticas para se adequarem a ela
sem propostas avançadas e sem um contexto social propício.
Falácia 2: Foram as despesas primárias que geraram
o déficit fiscal.
Correção 2: Os juros nominais pagos devem girar em torno de 418
bilhões este ano. Apesar de o governo Temer vir se esforçando para aumentar o
déficit fiscal, fazendo jantares milionários para convencer políticos a votarem
a favor da PEC, ele não deve chegar a metade do gasto com juros.
Se o objetivo do governo fosse reduzir despesas,
não estaria aumentando o déficit de forma estrondosa mês a mês. A previsão no
governo Dilma era de 97 bilhões reais e passou a 170,5 bilhões de reais com 1
mês de governo Temer, sendo que, até agosto, já haviam sido gastos 172 bilhões
de reais, restando ainda 4 meses para o fechamento do ano.
O gasto de 2016 passará dos 200 bilhões de reais
por conta de altos investimentos feitos para obter o impeachment e as reformas
que se tenta agora realizar sem suficiente debate, como é o caso da PEC
241.
Não há qualquer dúvida sobre ser esse o grande
desequilíbrio brasileiro e uma distorção enorme em relação aos demais países.
Apenas se pode crer que a PEC é encomendada por rentistas, grandes instituições
financeiras e empresários muito ricos, que fazem um lobby forte, com uso das práticas já
conhecidas no Brasil.
Depois dos juros, a segunda maior despesa é com a
Previdência, que precisa realmente ser reformada e não está contemplada pela
PEC.
A questão sempre é: qual reforma? Não se fala numa
reforma estrutural, que abarque também o péssimo financiamento da Previdência.
O governo atual nem cogita de fazer os mais ricos pagarem mais, apesar de estar
completamente provado que eles pagam pouquíssimos tributos no Brasil.
Falácia 3: As despesas explodiram por conta do governo do
PT.
Correção 3: As despesas primárias tiveram crescimento mais ou
menos constante nos últimos 15 anos, ou seja, desde o governo FHC, mas explodiu
este ano quando Temer assumiu.
As despesas cresceram de forma real na média de
4,2% ao ano nos últimos 15 anos, mas o governo Temer, que usa números
distorcidos, por exemplo, pelas desonerações fiscais e pelo desfazimento das
pedaladas fiscais, que não são efetivamente despesas, alega que o número seria
6,2%.
Falácia 4: O aumento constante de despesas gerou o
déficit fiscal de agora.
Correção 4: Déficits são gerados por despesas superarem as
receitas. Se as despesas aumentaram de forma constante, o problema maior está
do outro lado, ou seja, as receitas caíram muito por conta da grave crise
econômica, que derrubou a arrecadação tributária.
Se as despesas fossem menores, o déficit poderia
não existir ou seria menor. Deve-se atacar as despesas maiores, sendo absurdo
culpar gastos sociais, aumentos de salário mínimo e investimentos em
infraestrutura, cujos valores, mesmo que somados, são menores do que os gastos
com juros.
Ao mesmo tempo, é preciso reorganizar a
tributação, para
que o poder de renda do mais pobre seja aumentado, gerando imediatamente
aumento da demanda agregada, que está baixíssima. É preciso tributar mais os
ricos e menos os pobres, o que beneficiará indiretamente os ricos, que venderão
mais.
É assim que se monta um ecossistema econômico
saudável que beneficie a todos. A visão “curto prazista” da elite brasileira
prejudica a ela mesma.
Falácia 5: O descontrole nos gastos levou à crise
econômica.
Correção 5: Um conjunto complexo de causas gerou a crise
brasileira, sendo a quantidade de gastos, provavelmente, a menos importante. O
problema é a qualidade.
A maioria dos países ainda não se recuperou
totalmente da crise de 2007-2009, e isso é bem analisado no livro, festejado
hoje no mundo, Rethinking Capitalism: Economics and Policy for Sustainable
and Inclusive Growth, editado por Michael Jacobs e Mariana Mazzucato.
Segundo os textos desse livro, inclusive de Joseph Stiglitz, vencedor do Prêmio Nobel de
Economia, o conhecimento da Ciência Econômica tradicional foi insuficiente para
permitir que os economistas previssem a crise, assim como vem sendo
insuficiente para que eles consigam recuperar os seus países.
Uma das principais críticas é direcionada à austeridade fiscal,
sobretudo àquela que ataca gastos sociais e investimentos, exatamente o
caso da regra da PEC, uma péssima medida, dentre as várias possíveis.
Falácia 6: Sem a regra da PEC 241, as despesas não pararão de
crescer.
Correção 6: Para as despesas pararem de crescer, é preciso
reduzir os juros e reformar a previdência. A regra da PEC não é necessária e
não é adequada, pois há medidas melhores do que ela, como, por exemplo, o
estabelecimento de um limite vinculado à
taxa média do PIB de longo prazo, algo já proposto em texto publicado aqui na CartaCapital.
Além de desnecessária e inadequada, a PEC causará
mais custos do que benefícios, de modo que ela não passa em nenhum dos
critérios de validade da política pública.
Falácia 7: Sem a PEC, o déficit fiscal vai aumentar e a
economia não se recuperará.
Correção 7: A redução de despesas independe da aprovação da
PEC. Além disso, o endividamento privado é atualmente mais grave do que o
endividamento público, como lembra o economista Felipe Rezende.
O problema do Brasil é que a desarrumação
institucional (política, tributária, previdenciária, administrativa etc.) trava
a economia, endividando o setor privado e fazendo despencar a arrecadação. Com
receitas menores, gera-se o déficit fiscal.
Com uma redução gradual dos juros em conjunto com o
fim da isenção dos dividendos, a reforma da tabela
progressiva do Imposto de Renda para os mais ricos e a criação de um Imposto sobre
o Valor Agregado (IVA) para substituir PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS e
contribuição previdenciária sobre a receita da empresa, seria gerado superávit
ao mesmo tempo em que se corrigiria falhas graves da economia brasileira.
Falácia 8: A redução dos juros depende da aprovação da PEC
241.
Correção 8: Não há relação. Os juros reais brasileiros são
enormes e a demanda agregada está muito baixa. O investimento em títulos da
dívida pública brasileira é um baita investimento e não seria a redução gradual
de juros até chegar em 2% dentro de 1 ano o que tiraria muito dinheiro do
Brasil.
Por sinal, o País precisa de mais capital
produtivo, e não capital rentista, que nada produz e apenas quer ganhar com
juros altos.
Falácia 9: A recuperação da economia depende da PEC 241.
Correção 9: A recuperação depende de corrigir os graves
desequilíbrios brasileiros. É uma bobagem acreditar que, após a PEC, eles serão
corrigidos para que a regra seja descumprida.
Esses graves desequilíbrios exigem reformas
profundas, que requerem muito conhecimento, debate e algum tempo. A PEC não
terá qualquer efeito positivo sobre demanda e oferta, mas apenas sobre as
expectativas dos rentistas.
*Marcos
de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP, mestre pela UFBA, é conselheiro do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador
independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology