Aumento
da população de idosos traz desafios no acesso à Justiça
Poder Público não acompanha crescimento da
demanda
Publicado
em 03/10/2018 - 12:13
Por Débora
Brito - Repórter da Agência Brasil Brasília
A crescente população de idosos
tem trazido novos desafios para a área da Justiça e de proteção dos direitos
humanos no Brasil. A demanda judicial envolvendo pessoas com mais de 60 anos
aumentou, mas a estrutura do Poder Público ainda não acompanha o ritmo das
demandas.
Na área da justiça, o Estatuto do
Idoso, que completou 15 anos esta semana,
estabelece que processos envolvendo violação de direitos de idosos ou que
tenham pessoas com mais de 60 anos como parte envolvida devem ter prioridade na
tramitação. Contudo, o sistema judiciário ainda está se adaptando à nova
realidade.
Levantamento do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) mostra que, de 2015 a 2017, foram iniciados em tribunais de
diferentes instâncias em todo o país pelo menos 29,1 mil processos com o
assunto “crimes previstos no Estatuto do Idoso”. De 2015 para 2016, houve
aumento de quase 80% no volume de processos, e para 2017, o aumento foi de 25%.
O CNJ explica que a flutuação na
série histórica pode estar relacionada à categorização do processo no tribunal
e não necessariamente a uma variação no número de ações ingressadas, uma vez
que pode haver mais processos que não foram identificados como casos de
discriminação por motivo de idade. Não há informações sobre as decisões dos
processos.
Desde
2011, o Disque 100 registrou 200 mil denúncias de violações de diretos dos
idosos - Marcello Casal jr/Agência Brasil
Na ponta, a demanda é bem maior. Desde 2011, quando foi iniciado o serviço do Disque 100, foram registradas cerca de 200 mil denúncias de violações de direitos dos idosos, segundo balanço do Ministério dos Direitos Humanos. A maioria dos relatos se refere a negligência, violências financeira e psicológica. Nem todos, entretanto, ingressam na área judicial.
Para investigar e encaminhar as
denúncias, alguns estados têm delegacias especializadas do idoso. É o caso de
Minas Gerais, Tocantins, São Paulo, Goiás e Bahia, por exemplo. As delegacias
recebem as denúncias pessoalmente ou de forma anônima e muitas delas prestam
serviços de assistência social.
Estrutura especializada
Como forma de garantir a
prioridade no acesso à Justiça, o Estatuto do Idoso prevê que “o Poder Público
poderá criar varas especializadas e exclusivas do idoso”, mas poucos estados
conseguiram montar uma estrutura especializada unicamente para atender os
idosos.
Em 2007, o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) aprovou uma recomendação para que os tribunais de todo o país
adotem medidas para dar prioridade a processos e procedimentos que tenham
pessoas idosas como parte, em qualquer instância da Justiça.
Mais de dez anos depois, o banco
de dados alimentado pelos tribunais aponta a existência de apenas uma vara
especializada, localizada em Feira de Santana, na Bahia. O total de varas com
competência para julgar processos relacionados aos direitos dos idosos,
entretanto, é de 179 em todo o país, segundo o CNJ.
“Algumas vezes a gente recebe
reclamações das pessoas pedindo para o Ministério Público uma providência
entendendo que o processo está demorando muito ou que não está recebendo a
prioridade devida”, afirma Cláudia Beré, promotora de Justiça do Ministério
Público de São Paulo.
Integrante da Associação Nacional
dos Membros do Ministério Público em Defesa dos Idosos e de Pessoas com
Deficiência (Ampid), a promotora disse que o Poder Judiciário em São Paulo
criou uma vara criminal especializada para vítimas vulneráveis, entre elas
idosos. Mas, na área cível, a capital paulista, que reúne grande parte dos
processos do país, ainda não criou uma vara especializada.
“Só meia dúzia de comarcas no
estado de São Paulo têm a vara especializada do idoso. É um problema porque o
idoso não tem suas causas julgadas por um juiz especializado, principalmente
nos assuntos que se referem ao envelhecimento”, afirma.
O CNJ ressalta que os tribunais
de alguns estados, apesar de não terem varas exclusivas, desenvolvem ações
específicas para a população acima de 60 anos, como é o caso da Central
Judicial do Idoso, serviço interdisciplinar criado no Distrito Federal para
orientar pessoas idosas e facilitar o atendimento que demanda atuação de
diferentes instituições, como Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal
de Justiça.
Em busca do direito
Aos 64 anos, Neuza Maria Fátima
de Moraes decidiu acionar a Justiça para resolver um problema de família. Neuza
precisa do inventário do lote onde mora para receber sua parte da herança da
família e comprar outra casa. Ela tem urgência porque tem sido vítima de
violência por um dos parentes que mora no mesmo lote.
Neuza
Maria Fátima de Moraes é atendida na Central Judicial do Idoso do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal. - Marcelo Camargo/Agência Brasil
“Ele me agride fisicamente, já fomos até para a delegacia, a polícia já foi várias vezes lá. Ele e a mulher dele entraram lá com pedaço de pau para me matar”, relatou Neuza à Agência Brasil.
Este ano, ela conheceu a Central
Judicial do Idoso em Brasília por indicação de uma amiga que é assistente
social. Neuza mora com um dos filhos, uma neta adulta, uma bisneta bebê e ainda
tem a guarda de quatro netos, de 8 a 11 anos, porque os pais são dependentes
químicos.
Ela sustenta a casa com a renda
de R$ 900 que ganha passando roupa. Com apenas 13 anos de contribuição ao
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Neuza ainda não conseguiu
aposentar. “Estou com a guarda dessas crianças e meu irmão não aceita as
crianças no lote. Está difícil demais conviver no lugar. Meu objetivo é sair de
lá, vender e comprar um canto para mim”, relata Neuza.
A desavença familiar e as
dificuldades para manter as crianças têm agravado os problemas de saúde de
Neuza. “Eu tenho problema de fibromialgia e tive uma depressão profunda que eu
achei que fosse morrer. Eu vivo lutando para cuidar dessas crianças e é uma
guerra muito grande”, conta.
Estatuto
do Idoso determina que todo cidadão é obrigado a comunicar à autoridade
competente qualquer forma de violação que tenha testemunhado - Marcelo
Camargo
A Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, lembra que o artigo 4º do Estatuto do Idoso determina que todos são obrigados a prevenir a ameaça ou violação dos direitos do idoso. Aqueles que não cumprirem com esse dever serão responsabilizados, sejam pessoas físicas ou jurídicas, empresas, instituições ou entidades governamentais.
“O grande avanço do Estatuto do
Idoso está na previsão do estabelecimento de crimes e sanções administrativas
para o não cumprimento dos ditames legais. No caso da violação destes ditames,
caberá ao Ministério Público agir para a garantia dos direitos”, destaca o
secretário nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, Rogério Ulson.
Ulson ressalta ainda que esta
responsabilidade não é apenas criminal, mas também civil e lembra ainda
que todo cidadão tem o dever de comunicar à autoridade competente qualquer
forma de violação que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento.
Na promotoria do Idoso do
Ministério Público de São Paulo, tem crescido o número de atendimentos de casos
de violação. “A gente trabalha com vários assuntos, um deles, casos individuais
de idosos em situações de risco. A gente recebe muitas denúncias que nos chegam
pelo Disque 100, por email, por pessoas que comparecem aqui pra serem atendidas
sobre idosos em situação de risco, negligência, violência psicológica,
violência financeira, idosos acumuladores, idosos com transtorno mental”,
explica a promotora Cláudia Beré.
A promotoria também fiscaliza as
chamadas Instituições de Longa Permanência, conhecidas como abrigos de idosos,
e trabalha com questões coletivas que atingem todos os idosos como políticas
públicas e transporte, planos de saúde e atendimento em hospitais
especializados.
A
Defensoria Pública da União (DPU) registrou, no ano passado, mais de 473 mil
ações cíveis, previdenciárias, trabalhistas e de tutela de direitos humanos
relacionadas a idosos - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Nas ações de âmbito federal, a demanda também é crescente. Na Defensoria Pública da União (DPU), no ano passado, foram registradas mais 473 mil ações cíveis, previdenciárias, trabalhistas e de tutela de direitos humanos. O volume é 30% maior do que o registrado há cinco anos pela DPU.
Mais da metade dos processos
correspondem a questões relacionadas à Previdência ou de violações na área da
saúde, áreas que têm como público majoritário pessoas com mais de 60 anos. Um
dos desafios é garantir a celeridade dos processos para que o idoso tenha tempo
de desfrutar do resultado, caso positivo em seu favor.
Segundo o defensor público
federal, Jorge Medeiros de Lima, a tramitação de um processo de Benefício de
Prestação Continuada (BPC), por exemplo, leva em média de um a dois anos. “É
muito tempo para um idoso pobre, isso em não havendo recurso. Se houver
recurso, pode demorar três, quatro até cinco anos”, explica.
O defensor esclarece ainda que o
idoso tem direito a receber os retroativos. Se a pessoa idosa ganhar em
primeira instância, o juiz pode antecipar uma liminar para garantir que o
beneficiado comece a receber os benefícios. Mas, se houver recurso, o valor do
retroativo só é liberado depois que todos os recursos se esgotam.
“É bem comum o idoso não ver [o
fim do processo] e o dinheiro ficar só para os herdeiros. Não vê os
retroativos. Se ganhar na primeira instância, o juiz costuma dar uma liminar
para a pessoa já ir recebendo, mas os atrasados, é bem comum de a pessoa vir a
óbito antes do fim do prazo dos recursos”, relata.
Lima ressalta que, com o
envelhecimento da população, a demanda de atendimento na área previdenciária
deve continuar aumentando e os órgãos da justiça, incluindo a Defensoria, terão
o desafio de aumentar a estrutura para dar conta da nova demanda.
“A demanda tende a aumentar, já
está aumentado e a dificuldade da defensoria é justamente a falta de pessoal,
falta de defensores, de servidores. A Defensoria Pública da União não tem um
quadro de carreira próprio, não tem uma quantidade de defensores que possa
suprir esse crescente aumento. A demanda aumenta, mas a quantidade de
servidores não”, comenta Lima.
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Edição: Lílian
Beraldo