Brasil
encerra ano sem saber se o pior já passou
Desigualdade em ascensão, um
governo sem um plano claro, uma economia debilitada, um país isolado: o Brasil
de 2021 é uma verdadeira era das incertezas. O fundo do poço, dizem
especialistas, pode ainda não ter chegado. Desigualdade em ascensão, um governo
sem um plano claro, uma economia debilitada, um país isolado: o Brasil de 2021
é uma verdadeira era das incertezas. O fundo do poço, dizem especialistas, pode
ainda não ter chegado.
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Pandemia já deixou quase 200 mil mortos no país |
Com um cenário político
turbulento como pano de fundo, um presidente em constante conflito com outros
poderes e incertezas sobre a chegada de uma vacina para a covid-19, os
brasileiros chegam ao fim de 2020 sem saber se o pior da pandemia - e da crise
econômica associada à ela - já passou no país, cada vez mais isolado
internacionalmente.
"O ano de 2020 é
surpreendente", avalia o economista Marcelo Neri, diretor da FGV
Social. "O mercado de trabalho foi para o inferno, mas olhando para a
renda de todas as fontes, a gente foi para o céu."
Entre os países emergentes,
nenhum gastou tanto com auxílios como o Brasil, lembra Neri. E com esse auxílio
emergencial, que chegou a 67 milhões de brasileiros, um terço da população,
"a taxa de pobreza foi para o menor nível da historia documentada, depois
de todos os índices terem piorado muito entre 2014 e 2019, os anos de grande
recessão dos pobres."
"Com isso, 15 milhões de
pessoas saíram da pobreza, comparado com 2019. A pirâmide de distribuição de
renda nunca foi tão boa quanto em setembro de 2020", afirma.
O governo, que se diz seguidor da
Universidade de Chicago, foi mais para Cambridge e John Maynard Keynes, com sua
política anticíclica. Só que o auxílio caiu pela metade, a partir de setembro,
e com isso a pobreza aumentou 17% em um único mês. "Uma parte das
pessoas que tinham saído da pobreza já voltaram", comenta o
especialista.
Agora, frente à segunda
onda da pandemia, os caixas do governo já estão vazios, deixando a
situação fiscal do Brasil deteriorada, com uma dívida bruta de mais de 90%. E
ainda não há nada anunciado para substituir o auxílio emergencial, que se
encerra em dezembro.
"O Brasil de 2021 agora é
uma verdadeira era das incertezas máximas", diz Neri. E o resumo de
2020? "Olhamos para 2020 como uma espécie de um realismo fantástico
sul-americano, uma situação muito ruim no mercado de trabalho que deve ditar o
que acontece em 2021."
A natureza do governo Bolsonaro
"O Brasil está longe do
fundo do poço", avalia o cientista político Marco Aurélio Nogueira. Para
ele, o cenário político turbulento deve contribuir para a continuação da crise.
"As guerras contra o Congresso e a Suprema Corte prosseguirão. Porque
compõem um programa de trabalho do presidente, assim como os ataques à
imprensa. Essa é a natureza do governo e da persona do presidente."
Quanto mais as eleições de 2022
se aproximam, mais radical o presidente tende a ficar, acredita Nogueira. Para
ele, o caso da vacina contra o coronavírus é emblemático. "Ele fala em
união num dia, e grita contra a vacina no outro." Com isso, ele tenta dar
sustento aos dois grupos que são importantes para seu plano de reeleição: a
grande massa do povo, e os setores radicalizados do bolsonarismo.
E ainda haverá uma disputa dura
sobre as duas presidências do Congresso, principalmente pela da Câmara,
que definirá se o governo terá uma vida dura, se perder esta eleição, ou uma
vida um pouco mais tranquila, caso consigo emplacar o próprio candidato.
Mas, mesmo assim, as tarefas para
2021 serão difíceis. "É um governo muito ruim, sem qualidade, sem
capacidade de articulação, sem generosidade para com a sociedade", diz
Nogueira. Isso, segundo ele, afeta todos os ministérios, mas, principalmente,
os ministérios de Saúde e Educação e a área da cultura.
"Mas o desgoverno também é
muito prejudicial para o Meio Ambiente e para o relacionamento externo do
Brasil. Não por acaso, são dois dos ministérios mais frágeis e mais carregados
de problemas, mais criadores de atritos do governo Bolsonaro", comenta.
Lembrando que, em 2021, Bolsonaro
não terá mais Donald Trump como aliado ideológico na Casa Branca. Joe Biden,
por sua vez, deve se juntar aos europeus para pressionar o Brasil a investir na
preservação ambiental. O novo presidente estadunidense já deixou claro que até
pode pensar em sanções contra quem não protege o meio ambiente.
O resumo que Nogueira faz de 2020
é duro: "O governo deixou de lado o governar, não governou e tentou
compensar essa falta de governança com uma exacerbação do discurso ideológico.
Não poderia dar certo isso, sobretudo num país com tantos problemas como o
Brasil".
A dúvida da vacina
Para um ano de 2021 melhor que
2020, muito depende do sucesso da vacina no Brasil. Num ritmo de 600 mortes por
dia, o Brasil se aproxima, atualmente, de 200 mil óbitos por covid-19. Mas até
nesta área de vacinas, o Brasil está atrás.
"O Brasil tinha tudo para
ser, provavelmente, o primeiro país da América Latina a vacinar sua população
inteira, pois tem um dos melhores programas de imunização do mundo, e nós
sabemos fazer vacina e sabemos fazer campanha de vacinação", diz a
microbiologista Natália Pasternak Taschner, da USP. "A grande surpresa foi
ver que o atual governo realmente conseguiu atrapalhar até o que a gente tinha
de melhor, por falta de planejamento, por falta de gestão e por interesse
político."
Assim, o Brasil começa 2021,
segundo Pasternak, com uma superestrutura para a vacinação, mas sem vacina.
"Não foram feitos acordos internacionais em números suficientes para
garantir o número de doses necessárias para vacinar uma população tão grande
como a nossa", diz.
Neste momento, o governo
brasileiro só fechou um contrato, com o laboratório AstraZeneca, cuja
vacina vai atrasar. E o governo paulista tem um contrato com a chinesa Sinuvac,
cuja vacina Coronavac
ainda está cercada de dúvidas frente à sua eficácia. E que sofreu ataques
fortes pelo governo de Jair Bolsonaro por ser a 'vacina chinesa".
"Provavelmente não vamos
conseguir vacinas toda a população em 2021", avalia Pasternak. Mas ela
espera que, pelo menos, será possível vacinar uma parte tão grande que
"vamos poder retomar um pouco da nossa vida normal, da nossa economia, da
nossa sociedade".
Podia ter sido melhor. "Não
houve vontade política, e não houve - até este momento - uma conscientização da
gravidade da situação. Nem pelo governo federal e nem por grande parte da
população, como estamos vendo agora com as festas de final do ano",
afirma. "As pessoas ainda não entenderam que elas tem um papel para
cumprir na prevenção da doença. O comportamento delas pode definir como será o
nosso ano de 2021."
Para o economista Neri, o Brasil
ainda não chegou no fundo do poço "Talvez a gente estivesse com a cara
surpreendentemente para fora do poço. Só que a gente vai voltar para o poço.
Podemos até chegar a um lugar mais baixo no fundo do poço do que a gente estava antes
da crise", diz. Mas o economista não é só pessimista. "Às vezes, o
Brasil, quando está na beira do abismo, começa a fazer coisas para não
cair."
Noticia: dw.com