A renda
cidadã: uma saída viável da crise mundial
Date:
29/07/2016
in: Em Pauta
Pelo fato
de alguém ser humano, tem direito a uma renda cidadã que lhe garanta uma vida
digna, embora frugal. Artigo de Leonardo Boff.
Por Leonardo
Boff, da
Carta Capital
A crise economico-financeira de
2007-2008 estremeceu os fundamentos da economia capitalista (este é seu modo de
produção) e o neoliberalismo (este é sua expressão política). A tese básica era
dar primazia ao mercado, à livre iniciativa, à acumulação privada, a lógica da
competição em detrimento da lógica da cooperação e a um Estado
mínimo. O lema em Wall Street de Nova York era: greed is good,
traduzindo, a cobiça é boa. Quem olha numa perspectiva minimanente
ética já podia saber que um sistema montado sobre um vício (cobiça) e não sobre
uma virtude (bem comum), jamais poderia dar certo. Um dia irria implodir.
A implosão começou com a falência
de um dos maiores bancos norte-americanos, o Lehman Brothers, levando todo o
sistema bancário e financeiro numa incomensurável crise. Em poucos dias
pulverizaram-se trilhões de dólares. Parecia o fim deste tipo de mundo. Oxalá fosse.
Curiosamente, os que desprezavam
o Estado, reduzindo-o ao mínimo, tiveram que recorrer a ele, de joelhos e mãos
juntas. Os bancos centrais dos Estados tiveram que despejar trilhões de dólares
para salvar as instituições financeiras falidas. A máquina de fazer dinheiro
rodava em máxima velocidade, dia e noite.
Houve como consequência da crise,
até hoje ainda não superada, também entre nós, a quebra de milhares
de empresas e até de países como a Grécia com altíssimo grau de desemprego.
Destruiram-se fortunas mas mais que tudo se criou um mar de sofrimento humano,
suicídios e até de fome no mundo inteiro. Dados recentes referem que nos USA
uma sobre sete pessoas passa fome. Imaginemos o resto do mundo.
Ninguém seguiu a sábia sentença
atribuída a Einstein: “o pensamento que criou a crise não pode ser o mesmo que
nos vai tirar da crise”. Temos que pensar e agir diferente. Foi exatamente o
que não se fez. Piamente se acredita ainda que este sistema continua bom e
válido, a despeito da devastação ecológica que produz, pondo em risco as bases
que sustentam a vida. Ele é bom e válido para os especuladores
que estão acumulando uma riqueza absurda. Nos USA o 1% dos mais
opulentos acumula rendas equivalentes àquela de 90% dos demais
norte-americanos.
A despeito de todas as reuniões
dos G-8 e G-20 para buscar alternativas, a política ecocômico-financeira
continua a mesma: fazer mais do mesmo. Isso está desestruturando os países e
poderá levar à uma revolta popular mundial com consequências funestas.
Duas estratégias foram usadas. A
primeira foi a injeção de trilhões de dólares por
parte dos Estados para impedir a falência total do sistema. Alem dos trilhões
de moeda física lançada no mercado, criou-se um ocmplemento
chamado quantitative easing. Na definição que me parece correta da
Wikipedia:“é a flexibilização quantitative que quer dizer, a
criação de quantidades significativas de dinheiro novo (geralmente
electronicamente) por um banco, autorizado pelo Banco Central dentro de determinadas
condições”.
Ocorre que este dinheiro novo, ao
invés de ser investido na produção e na criação de empregos, foi jogado na
corrente especulativa das finanças mundiais. Aqui se ganha muito mais,
imediatamente, do que no investimento produtivo que demora muito mais tempo.
Desta forma os ganhos vão para os já bilionários, sem solucionar a crise, ao
contrario, agravando-a.
O outro expediente foram as
políticas de ajustes, vindo sob o nome de austeridade.
Para garantir os ganhos dos capitais, organizou-se um ataque sistemático aos
direitos sociais, aos serviços públicos de saúde e de educação, ao sistema da
providência e às aposentadorias. Isso se inaugurou primeiro na zona do euro e
agora na mesma lógica no Brasil. Fragilizou-se a já frágil democracia e a diminuição
do gasto publico está provocando recessão e desemprego.
Se tivesse havido pensamento e um
mínimo de senso humanitário, uma possível saída poderia ser, aquilo que
incansavelmente, vem propondo há muitos anos, o ex-senador Eduardo Matarazzo Suplicy:
a renda minima cidadã. Pelo fato de alguém ser humano, tem direito a uma renda
cidadã que lhe garanta uma vida digna, embora frugal. Diz um estudioso Antonio
Martins:”Um cálculo do site Swiss Info, ainda em 2009,
mostrou que só nos primeiros meses de socorro aos bancos, os Estados gastaram
10 trilhões de dólares; seria suficiente para pagar a cada habitante do planeta
US 1422, aproximadamente R$ 4,5 mil”(cf. site Outras Palavras de
14;07/16). Seria o “quantitative easing for People” proposto pele
líder trabalhista britânico Jeremy Corbyn. Esse dinheiro circularia no consumo,
nos benefícios públicos e superaria o grave padecimento humano pelo desemprego
e pela fome. Esta seria uma solução viável, mais ética e mais humana
. Ela pode ser ainda realizada. Quem sabe, com o agravamento da crise mundial,
não sejamos obrigados a esta solução verdadeiramente salvadora.
Leonardo Boff é teólogo,
filósofo, articulista do JB on line.
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