quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Reservas Cambiais



"Brasil poderia usar uma parte das reservas para estimular a economia"
Wellington Dias, governador do Piauí, defende utilização de valores que excedem o montante necessário para o País enfrentar choques externos
por Sergio Lirio — publicado 28/09/2016 05h09
Wilson Dias / Agência Brasil 


 Dias: É cada vez mais urgente a reforma política


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Uma carta conjunta assinada por 20 dos 27 governadores expôs de forma clara a penúria das finanças públicas estaduais. Divulgado na terça-feira 20, o documento pede tratamento semelhante ao dispensado ao Rio de Janeiro, que, após decretar “estado de calamidade”, recebeu um apoio financeiro da União equivalente a 2,9 bilhões de reais. 

Um dos organizadores da carta, Wellington Dias, governador do Piauí, acredita que um acordo neste momento com o governo federal evitaria outros decretos de calamidade e uma piora do cenário econômico. “Imagine se a maioria seguisse o exemplo do Rio. Desaba a nota de risco do Brasil.” 

Na entrevista a seguir, Dias fala das esquerdas, do PT e propõe uma saída para a retomada do crescimento: o uso de parte das reservas cambiais para estimular a economia.

CartaCapital: Um grupo de governadores acaba de lançar uma carta na qual alertam para o risco de decretação de estado de calamidade por vários estados. Como andam as negociações com o governo federal?
Wellington Dias: A dívida pública dos estados é muito concentrada. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul respondem por 87% do total. O Piauí, que administro, e o Tocantins não devem nada à União. Outras unidades da federação devem muito pouco. 

A dívida dos 20 estados que assinam a carta não passa de 9% do montante. Mas temos contas a pagar. E não me parece natural, justo, que o governo federal negue um repasse de 14 bilhões de reais. 

É um dinheiro nosso, gerado pela Lei Kandir. Uma receita que a União, a partir de suas decisões, retirou da receita desses estados. A negociação visa a continuidade de serviços básicos essenciais, hospitais, escolas. Vamos analisar o exemplo do Rio de Janeiro. 

O Rio decretou estado de calamidade e recebeu um auxílio emergencial de 2,9 bilhões de reais. Acho que os demais merecem a mesma deferência. Imagine se, além do Rio de Janeiro, mais 20 estados decretarem calamidade... Desaba a nota de risco do Brasil, o ambiente econômico ficará muito pior do que já está.

CC: Não houve nenhuma sinalização da equipe econômica?
WD: Segundo o ministro Henrique Meirelles, uma fonte possível de receita seria a repatriação de recursos do exterior. Estima-se uma repatriação de 30 bilhões a 70 bilhões de dólares. Falamos então de 30 bilhões a 70 bilhões de reais nos cofres do Tesouro por meio de impostos e multa. A lei prevê a divisão desse dinheiro com estados e municípios. 

Não seria possível fazer uma antecipação? Parece-me uma alternativa, caso contrário imagino que boa parte dos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste seguirá os passos do Rio de Janeiro. Até para ter um instrumento legal para requerer um auxílio financeiro da União. Tudo isso ainda pode ser evitado, a bem do ambiente econômico.

CC: O senhor imagina possível equilibrar as contas do setor público sem aumento de impostos?
WD: O Brasil precisa de crescimento. E ele só vai acontecer com o aumento do investimento público. O setor privado não fará isso sozinho. No mundo, o Estado sempre dá o primeiro passo. Há cerca de 30 mil obras espalhadas pelo Brasil, grande parte delas parada. Imagine se o governo federal decidisse reativá-las? No mínimo iríamos gerar mais 1 milhão de novos empregos. O Brasil poderia usar uma parte das reservas cambiais, cujo custo de manutenção é alto, para estimular a economia.

CC: Como?
WD: Nossas reservas cambiais se aproximam de 380 bilhões de dólares. O Brasil, sabe-se, atravessa qualquer choque externo com reservas na casa dos 350 bilhões. Minha proposta é: usar tudo o que ultrapassar essa marca em prol da reativação da economia interna. 

Quem se dispuser a analisar com seriedade a proposta verá que ela faz sentido. Podemos usar o excedente para abater parte da dívida pública. Com essa folga, tanto o setor privado quanto a União, estados e municípios podem tomar mais empréstimos no exterior, com taxas de 2%, 3%, no máximo 4%, prazo de carência de três, quatro anos e mais 20, 25 anos para pagar. 

Boa parte desse dinheiro poderia ser usado para retomar as 30 mil obras que mencionei. São estradas, ferrovias, casas, apartamentos, usinas de energia. Ao mesmo tempo, ao utilizar parte das reservas, você reduz seu custo de manutenção, pois ela precisa ser remunerada pela Selic, a taxa básica de juros, hoje em 14,25% ao ano. Em resumo, é mentira dizer que não há de onde tirar dinheiro. Há sim. Falta é vontade política. 

CC: As denúncias de corrupção e o impeachment de Dilma Rousseff esfacelaram a esquerda. De que forma é possível se reconectar com o eleitorado?
WD: É cada vez mais urgente a reforma política. O modelo atual é caro e impede cidadãos sérios de se candidatarem. Dito isso, o PT voltou à oposição e tem de reapresentar um projeto para o Brasil. Não podemos apenas dizer “somos contra” isso ou aquilo. 

CC: Muita gente acha que o PT não tem mais condições morais de liderar o campo progressista.
WD: O PT tem moral. E tem um legado. As marcas dos nossos governos estão em todos os municípios do Brasil. São unidades básicas de saúde, iluminação, sistemas de água, rodovias asfaltadas, conjuntos habitacionais. 

Ninguém fez tanto quanto os nossos governos. Mas o PT não pode ficar no isolamento. Há um conjunto de forças pulverizadas em vários partidos. Enxergo dois caminhos: ou se cria uma nova legenda ou se faz uma fusão. Poderíamos ter algo parecido com a Frente Ampla do Uruguai. 

Quando olho o mapa estadual de líderes afinados em torno de um mesmo projeto, vejo que estamos cinco vezes maiores do que éramos em 2003, quando o Lula assumiu a Presidência da República. Tire tudo o que foi feito no Brasil durante os governos Lula e Dilma. O que sobra? Um país atrasado, sem ferrovias, sem hidrelétricas, sem aeroportos reformados, sem inclusão social. 


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