"Brasil
poderia usar uma parte das reservas para estimular a economia"
Wellington
Dias, governador do Piauí, defende utilização de valores que excedem o montante
necessário para o País enfrentar choques externos
por Sergio Lirio — publicado 28/09/2016 05h09
Wilson
Dias / Agência Brasil
Dias: É cada vez mais urgente a reforma política
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Uma carta conjunta assinada por
20 dos 27 governadores expôs de forma clara a penúria das finanças públicas
estaduais. Divulgado na terça-feira 20, o documento pede tratamento semelhante
ao dispensado ao Rio de Janeiro, que, após decretar “estado de calamidade”,
recebeu um apoio financeiro da União equivalente a 2,9 bilhões de reais.
Um dos organizadores da carta,
Wellington Dias, governador do Piauí, acredita que um acordo neste momento com
o governo federal evitaria outros decretos de calamidade e uma piora do cenário econômico.
“Imagine se a maioria seguisse o exemplo do Rio. Desaba a nota de risco do
Brasil.”
Na entrevista a seguir, Dias fala
das esquerdas, do PT e
propõe uma saída para a retomada do crescimento: o uso de parte das reservas
cambiais para estimular a economia.
CartaCapital: Um grupo
de governadores acaba de lançar uma carta na qual alertam para o risco de
decretação de estado de calamidade por vários estados. Como andam as
negociações com o governo federal?
Wellington Dias: A dívida
pública dos estados é muito concentrada. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais e Rio Grande do Sul respondem por 87% do total. O Piauí, que administro,
e o Tocantins não devem nada à União. Outras unidades da federação devem muito
pouco.
A dívida dos 20 estados que
assinam a carta não passa de 9% do montante. Mas temos contas a pagar. E não me
parece natural, justo, que o governo federal negue um repasse de 14 bilhões de
reais.
É um dinheiro nosso, gerado pela
Lei Kandir. Uma receita que a União, a partir de suas decisões, retirou da
receita desses estados. A negociação visa a continuidade de serviços básicos
essenciais, hospitais, escolas. Vamos analisar o exemplo do Rio de Janeiro.
O Rio decretou estado de
calamidade e recebeu um auxílio emergencial de 2,9 bilhões de reais. Acho que
os demais merecem a mesma deferência. Imagine se, além do Rio de Janeiro, mais
20 estados decretarem calamidade... Desaba a nota de risco do
Brasil, o ambiente econômico ficará muito pior do que já está.
CC: Não
houve nenhuma sinalização da equipe econômica?
WD: Segundo o
ministro Henrique Meirelles, uma fonte possível de receita seria a repatriação
de recursos do exterior. Estima-se uma repatriação de 30 bilhões a 70 bilhões
de dólares. Falamos então de 30 bilhões a 70 bilhões de reais nos cofres do
Tesouro por meio de impostos e multa. A lei prevê a divisão desse dinheiro com
estados e municípios.
Não seria possível fazer uma
antecipação? Parece-me uma alternativa, caso contrário imagino que boa parte
dos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste seguirá os passos do Rio de Janeiro.
Até para ter um instrumento legal para requerer um auxílio financeiro da União.
Tudo isso ainda pode ser evitado, a bem do ambiente econômico.
CC: O senhor
imagina possível equilibrar as contas do setor público sem aumento de impostos?
WD: O Brasil
precisa de crescimento. E ele só vai acontecer com o aumento do investimento
público. O setor privado não fará isso sozinho. No mundo, o Estado sempre dá o
primeiro passo. Há cerca de 30 mil obras espalhadas pelo Brasil, grande parte
delas parada. Imagine se o governo federal decidisse reativá-las? No mínimo
iríamos gerar mais 1 milhão de novos empregos. O Brasil poderia usar uma parte
das reservas cambiais,
cujo custo de manutenção é alto, para estimular a economia.
CC: Como?
WD: Nossas
reservas cambiais se aproximam de 380 bilhões de dólares. O Brasil, sabe-se,
atravessa qualquer choque externo com reservas na casa dos 350 bilhões. Minha
proposta é: usar tudo o que ultrapassar essa marca em prol da reativação da
economia interna.
Quem se dispuser a analisar com
seriedade a proposta verá que ela faz sentido. Podemos usar o excedente para
abater parte da dívida pública. Com essa folga, tanto o setor privado quanto a
União, estados e municípios podem tomar mais empréstimos no exterior, com taxas
de 2%, 3%, no máximo 4%, prazo de carência de três, quatro anos e mais 20, 25
anos para pagar.
Boa parte desse dinheiro poderia
ser usado para retomar as 30 mil obras que mencionei. São estradas, ferrovias,
casas, apartamentos, usinas de energia. Ao mesmo tempo, ao utilizar parte das
reservas, você reduz seu custo de manutenção, pois ela precisa ser remunerada
pela Selic, a taxa básica de juros, hoje em 14,25% ao ano. Em resumo, é mentira
dizer que não há de onde tirar dinheiro. Há sim. Falta é vontade
política.
CC: As
denúncias de corrupção e o impeachment de Dilma Rousseff
esfacelaram a esquerda. De que forma é possível se reconectar com o eleitorado?
WD: É cada
vez mais urgente a reforma política. O modelo atual é caro e impede cidadãos
sérios de se candidatarem. Dito isso, o PT voltou à oposição e tem de reapresentar
um projeto para o Brasil. Não podemos apenas dizer “somos contra” isso ou
aquilo.
CC: Muita
gente acha que o PT não tem mais condições morais de liderar o campo
progressista.
WD: O PT tem
moral. E tem um legado. As marcas dos nossos governos estão em todos os
municípios do Brasil. São unidades básicas de saúde, iluminação, sistemas de
água, rodovias asfaltadas, conjuntos habitacionais.
Ninguém fez tanto quanto os
nossos governos. Mas o PT não pode ficar no isolamento. Há um conjunto de
forças pulverizadas em vários partidos. Enxergo dois caminhos: ou se cria uma
nova legenda ou se faz uma fusão. Poderíamos ter algo parecido com a Frente
Ampla do Uruguai.
Quando olho o mapa estadual de
líderes afinados em torno de um mesmo projeto, vejo que estamos cinco vezes
maiores do que éramos em 2003, quando o Lula assumiu a Presidência da
República. Tire tudo o que foi feito no Brasil durante os governos Lula e
Dilma. O que sobra? Um país atrasado, sem ferrovias, sem hidrelétricas,
sem aeroportos reformados, sem inclusão social.
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