sexta-feira, 26 de maio de 2017

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Os prejuízos com a Lei Kandir










No período dos governos mais lesivos ao Brasil em toda sua história, foi promulgada a Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir), de 13.09.1996, no segundo governo FHC instalado sob a Constituição de 1988, por meio de eleições manipuladas. Do primeiro, empossado em 1990, fazia parte Kandir, um dos elaboradores do desastroso Plano Collor.
 




A seguir tento oferecer uma idéia, da ordem de grandeza numérica e qualitativa, dos prejuízos causados por essa Lei, um dos instrumentos usados pelo sistema de poder mundial concentrado para anular e reverter os progressos obtidos pelo Brasil desde a "Revolução de 1930", ou seja, convertê-lo em zona colonial das potências hegemônicas.

Antes da LC nº 87/96, que isenta de impostos às exportações de bens primários e de semimanufaturados, já eram pletóricos os incentivos fiscais e os subsídios às exportações de manufaturados e às importações de insumos. Esses subsídios, enormemente aumentados desde o início dos anos 70 (Delfim Netto), favorecem as empresas industriais transnacionais, que, a partir do quinquênio de JK, 1956-1960, ocuparam os mercados do País e apropriaram-se de indústrias fundadas por capital nacional.

Os subsídios à exportação de manufaturados e as isenções à dos básicos são o oposto de uma política econômica que vise valorizar bens produzidos no Brasil, evitar o rápido esgotamento de matérias-primas estratégicas e gerar receitas públicas.

Sob a LC nº 87/96, os Estados perdem a arrecadação do ICMS e são ressarcidos pela União com muito atraso. Além de ser sangrado por juros absurdos de dívidas geradas pelos próprios juros, o poder público fica com menos dinheiro para investir nas infra-estruturas econômica e social.

Na realidade, os incentivos e os subsídios às exportações sobre produtos em que o Brasil tem grande vantagem comparativa significam transferir receita para os importadores e consumidores no exterior e para os tesouros públicos de países estrangeiros que taxam as importações.

Ao amparo da legislação vigente, as tradings estrangeiras do agronegócio, como Cargill, Monsanto, ADM, Bunge e Dreyfus, nada recolhem no País ao mandar, anualmente, para o exterior, dezenas de milhões de toneladas: só com a soja em grão, mais de 30 milhões de toneladas. O mesmo com os minérios: somente a privatizada Vale exporta, por ano, mais de 100 bilhões de toneladas de minério de ferro.

A Argentina elevou, no ano passado, a alíquota de retenção na soja em grãos para 35%. No trigo, 28%. O Brasil, ao contrário, adota política teleguiada, renunciando a essas receitas. Na Era Vargas, aquela em que o País avançou no sentido da autodeterminação, o criticado confisco cambial nas exportações de café foi fonte dos recursos para a industrialização.

As exportações oficiais (menores que as reais) atingiram US$ 160 bilhões em 2007 e devem aproximar-se de US$ 200 bilhões em 2008. Mas, desde os anos 90, com a desindustrialização, cresce a participação conjunta dos produtos básicos (primários), dos semi-manufaturados e das commodities industrializadas, que já constituem 60%.

Se esse conjunto pagasse ICMS na alíquota média de 15%, o Brasil estaria arrecadando R$ 30 bilhões por ano, i.e., 1,5 vezes os gastos de investimento do governo federal em 2006 e 3 vezes os de 2007.

Pior: é ainda maior a renúncia à arrecadação tributária em favor de interesses estrangeiros, já que as estatísticas consideram manufaturados produtos como etanol, café solúvel, suco de laranja e minérios com poucas etapas de industrialização.

Exaurem-se os recursos agrários do País com as monoculturas e com o uso de pesticidas e de fertilizantes químicos, acarretando a perda da fertilidade dos solos. No caso dos minerais, há evidente exaustão de jazidas que farão falta à indústria nacional se ela for reerguida, como deveria, se o País se autodeterminar.

Além disso, dado o descompasso entre a crescente demanda mundial e a escassez de alimentos e de matérias-primas, vendê-las em enormes quantidades, e quase de graça, significa atirar fora os lucros facilmente previsíveis da inevitável valorização futura.

O que precede não resume todas as perdas com a exploração dos recursos naturais do Brasil, pois há o descaminho de minérios estratégicos e de pedras, inclusive diamantes, e dos metais, como o ouro. Uma das modalidades de descaminho é a chamada de contrabando. Outra ocorre sob o manto das próprias exportações oficiais, por não existir controle sobre as quantidades e os preços declarados na documentação.

Isso provém, em parte, de ter sido eliminada a valoração aduaneira no Estatuto da Organização Mundial do Comércio (OMC), um acordo de natureza semelhante à dos tratados desiguais impostos à China pelas potências imperialistas no Século XIX. A ratificação pelo Senado Federal, quase no Natal de 1994, sem exame, à adesão, sem reservas, do Brasil à OMC, constitui exemplo contundente de como são tomadas decisões cruciais profundamente danosas aos interesses nacionais.

Sem praticamente gerar renda nem emprego no País, são dilapidados recursos insubstituíveis. Com efeito, os lucros da exportação só favorecem transnacionais concentradoras, servindo para alimentar ativos e bolhas no exterior e no mercado financeiro do Brasil, no qual predadores estrangeiros auferem ganhos acima de US$ 150 bilhões por ano.

Em suma, a política comercial, a industrial e a tecnológica são desenhadas para promover o subdesenvolvimento. A posição nas negociações da rodada Doha no âmbito da OMC é só pro agronegócio. Não fora a atitude de países como a Índia, a China e a Argentina, teria havido acordo que levaria a radicalizar no Brasil a abertura indiscriminada a bens e serviços dos "desenvolvidos", unilateralmente concedida por Collor.

Mais: em troca da redução de subsídios aos produtores locais e de taxas de importação nos EUA e na União Européia, o Brasil hipotecaria seu futuro em matéria de investimentos estrangeiros e de outros itens considerados "serviços" pela OMC. Algo como oferecer o que os EUA desejam por meio da ALCA, sem entrar nela.

Muito melhor que alienar a economia nacional é taxar as exportações, mesmo porque os países importadores não deixarão de proteger produtores locais, em função de pressão local e em nome da segurança alimentar. Por que não concordar com a sobrevivência deles e ficar com as receitas tributárias que estão sendo passadas aos "desenvolvidos"?

Ademais, tivesse a política econômica do País o objetivo de assegurar maior competitividade no comércio exterior, tanto em favor das exportações, como para limitar a ascensão das importações, cuidar-se-ia de evitar a excessiva valorização do real. Para tanto, bastaria praticar taxas de juros inferiores à metade das atuais, o que, além disso, produziria ganhos substanciais em áreas ainda mais importantes do que aquelas.

* Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de Globalização versus Desenvolvimento, editora Escrituras. benayon@terra. com.br

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