Os prejuízos com a Lei Kandir
- By Adriano Benayon*, anovademocracia.com.br
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No período
dos governos mais lesivos ao Brasil em toda sua história, foi promulgada a Lei
Complementar nº 87/96 (Lei Kandir), de 13.09.1996, no segundo governo FHC
instalado sob a Constituição de 1988, por meio de eleições manipuladas. Do
primeiro, empossado em 1990, fazia parte Kandir, um dos elaboradores do
desastroso Plano Collor.
A seguir tento oferecer uma
idéia, da ordem de grandeza numérica e qualitativa, dos prejuízos causados por
essa Lei, um dos instrumentos usados pelo sistema de poder mundial concentrado
para anular e reverter os progressos obtidos pelo Brasil desde a
"Revolução de 1930", ou seja, convertê-lo em zona colonial das
potências hegemônicas.
Antes da LC nº 87/96, que
isenta de impostos às exportações de bens primários e de semimanufaturados, já
eram pletóricos os incentivos fiscais e os subsídios às exportações de
manufaturados e às importações de insumos. Esses subsídios, enormemente
aumentados desde o início dos anos 70 (Delfim Netto), favorecem as empresas
industriais transnacionais, que, a partir do quinquênio de JK, 1956-1960,
ocuparam os mercados do País e apropriaram-se de indústrias fundadas por
capital nacional.
Os subsídios à exportação de
manufaturados e as isenções à dos básicos são o oposto de uma política
econômica que vise valorizar bens produzidos no Brasil, evitar o rápido
esgotamento de matérias-primas estratégicas e gerar receitas públicas.
Sob a LC nº 87/96, os Estados
perdem a arrecadação do ICMS e são ressarcidos pela União com muito atraso.
Além de ser sangrado por juros absurdos de dívidas geradas pelos próprios
juros, o poder público fica com menos dinheiro para investir nas
infra-estruturas econômica e social.
Na realidade, os incentivos e
os subsídios às exportações sobre produtos em que o Brasil tem grande vantagem
comparativa significam transferir receita para os importadores e consumidores
no exterior e para os tesouros públicos de países estrangeiros que taxam as
importações.
Ao amparo da legislação
vigente, as tradings estrangeiras do agronegócio, como Cargill, Monsanto, ADM,
Bunge e Dreyfus, nada recolhem no País ao mandar, anualmente, para o exterior,
dezenas de milhões de toneladas: só com a soja em grão, mais de 30 milhões de
toneladas. O mesmo com os minérios: somente a privatizada Vale exporta, por
ano, mais de 100 bilhões de toneladas de minério de ferro.
A Argentina elevou, no ano
passado, a alíquota de retenção na soja em grãos para 35%. No trigo, 28%. O
Brasil, ao contrário, adota política teleguiada, renunciando a essas receitas.
Na Era Vargas, aquela em que o País avançou no sentido da autodeterminação, o
criticado confisco cambial nas exportações de café foi fonte dos recursos para
a industrialização.
As exportações oficiais
(menores que as reais) atingiram US$ 160 bilhões em 2007 e devem aproximar-se
de US$ 200 bilhões em 2008. Mas, desde os anos 90, com a desindustrialização,
cresce a participação conjunta dos produtos básicos (primários), dos
semi-manufaturados e das commodities industrializadas, que já constituem 60%.
Se esse conjunto pagasse ICMS
na alíquota média de 15%, o Brasil estaria arrecadando R$ 30 bilhões por ano,
i.e., 1,5 vezes os gastos de investimento do governo federal em 2006 e 3 vezes
os de 2007.
Pior: é ainda maior a renúncia
à arrecadação tributária em favor de interesses estrangeiros, já que as
estatísticas consideram manufaturados produtos como etanol, café solúvel, suco
de laranja e minérios com poucas etapas de industrialização.
Exaurem-se os recursos
agrários do País com as monoculturas e com o uso de pesticidas e de
fertilizantes químicos, acarretando a perda da fertilidade dos solos. No caso
dos minerais, há evidente exaustão de jazidas que farão falta à indústria
nacional se ela for reerguida, como deveria, se o País se autodeterminar.
Além disso, dado o descompasso
entre a crescente demanda mundial e a escassez de alimentos e de
matérias-primas, vendê-las em enormes quantidades, e quase de graça, significa
atirar fora os lucros facilmente previsíveis da inevitável valorização futura.
O que precede não resume todas
as perdas com a exploração dos recursos naturais do Brasil, pois há o
descaminho de minérios estratégicos e de pedras, inclusive diamantes, e dos
metais, como o ouro. Uma das modalidades de descaminho é a chamada de
contrabando. Outra ocorre sob o manto das próprias exportações oficiais, por não
existir controle sobre as quantidades e os preços declarados na documentação.
Isso provém, em parte, de ter
sido eliminada a valoração aduaneira no Estatuto da Organização Mundial do
Comércio (OMC), um acordo de natureza semelhante à dos tratados desiguais
impostos à China pelas potências imperialistas no Século XIX. A ratificação
pelo Senado Federal, quase no Natal de 1994, sem exame, à adesão, sem reservas,
do Brasil à OMC, constitui exemplo contundente de como são tomadas decisões
cruciais profundamente danosas aos interesses nacionais.
Sem praticamente gerar renda
nem emprego no País, são dilapidados recursos insubstituíveis. Com efeito, os
lucros da exportação só favorecem transnacionais concentradoras, servindo para
alimentar ativos e bolhas no exterior e no mercado financeiro do Brasil, no
qual predadores estrangeiros auferem ganhos acima de US$ 150 bilhões por ano.
Em suma, a política comercial,
a industrial e a tecnológica são desenhadas para promover o subdesenvolvimento.
A posição nas negociações da rodada Doha no âmbito da OMC é só pro agronegócio.
Não fora a atitude de países como a Índia, a China e a Argentina, teria havido
acordo que levaria a radicalizar no Brasil a abertura indiscriminada a bens e
serviços dos "desenvolvidos", unilateralmente concedida por Collor.
Mais: em troca da redução de
subsídios aos produtores locais e de taxas de importação nos EUA e na União
Européia, o Brasil hipotecaria seu futuro em matéria de investimentos
estrangeiros e de outros itens considerados "serviços" pela OMC. Algo
como oferecer o que os EUA desejam por meio da ALCA, sem entrar nela.
Muito melhor que alienar a
economia nacional é taxar as exportações, mesmo porque os países importadores
não deixarão de proteger produtores locais, em função de pressão local e em
nome da segurança alimentar. Por que não concordar com a sobrevivência deles e
ficar com as receitas tributárias que estão sendo passadas aos
"desenvolvidos"?
Ademais, tivesse a política
econômica do País o objetivo de assegurar maior competitividade no comércio
exterior, tanto em favor das exportações, como para limitar a ascensão das
importações, cuidar-se-ia de evitar a excessiva valorização do real. Para
tanto, bastaria praticar taxas de juros inferiores à metade das atuais, o que,
além disso, produziria ganhos substanciais em áreas ainda mais importantes do
que aquelas.
* Adriano Benayon é Doutor em
Economia. Autor de Globalização versus Desenvolvimento, editora
Escrituras. benayon@terra. com.br
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