ONU
apresenta Brasil como país com 'discriminação estrutural'
Relatório das Nações Unidas aponta que
"milhões de pessoas continuam a viver em ambientes insalubres, sem acesso
à água e saneamento" no país
Brasil
relatório 05:25 - 21/04/17 POR
Um país com uma discriminação
estrutural, intolerante, com altas taxas de violência e até com seu caráter
secular ameaçado por pressões de grupos e bancadas religiosos dentro da
política. Esse é o panorama que relatores da ONU traçam sobre Brasil, no momento
em que o governo começa se preparar para ser sabatinado nas Nações Unidas sobre
a situação dos direitos humanos no País.
Governos de todo o mundo são
obrigados a passar por uma Revisão Periódica Universal, um mecanismo criado nas
Nações Unidas para examinar todos os aspectos de direitos humanos nos países de
forma regular.
Para se preparar para o
questionamento, a entidade elaborou um raio-x completo sobre a situação
brasileira nesse período desde o último exame do País, em 2012. No documento,
ela compila os resultados de investigações de relatores independentes, grupos
de especialistas e missões realizadas no País nos últimos cinco anos. As
conclusões apontam para sérias violações.
Uma das preocupações dos
relatores da ONU se refere à situação da discriminação e desigualdade
"estruturais" na sociedade. Apesar de diversos avanços sociais, o
informe insiste que "milhões de pessoas continuam a viver em ambientes
insalubres, sem acesso à água e saneamento". Os maiores problemas estariam
nas regiões Norte e Nordeste. No caso da saúde, o relatório também aponta como
"desigualdades impedem que as populações mais vulneráveis tenham acesso
efetivo aos tratamentos de saúde".
Segundo a entidade, relatores
alertaram para a situação dos homossexuais no País. De acordo com o informe,
ainda que o Brasil "não criminalize atos homossexuais, relatos indicam que
ele tem um dos maiores níveis de violência contra lésbicas, gays e
bissexuais".
Os relatores afirmam estar
preocupados com a remoção de estratégias que tinham como objetivo eliminar a
discriminação baseada na orientação sexual e raça de planos educacionais em
alguns Estados.
"O Brasil não tomou medidas
necessárias para combater a discriminação estrutural contra esse grupo",
alertou.
Se o Brasil adota uma postura de
liderança no cenário internacional quando fala dos direitos dos homossexuais, a
ONU alerta que a realidade doméstica ainda é de problemas. "O Congresso
criou desafios adicionais aos direitos de lésbicas, gays, bissexuais",
indicou. Segundo a entidade, ganha apoio entre deputados e senadores ideias que
excluam esse grupo do conceito de estatuto da família, enquanto chega a ser
proposto o dia do orgulho heterossexual.
Religião
Essas propostas no Congresso
também apontariam para outro fator que vem preocupando os relatores da ONU:
"a dominância cada vez maior de certos grupos religiosos e que sua
concentração no poder podem ter um impacto negativo sério no caráter secular do
Estado brasileiro".
O documento cita iniciativas
legislativas e até de emendas constitucionais dando mais poder a associações
religiosas e a possibilidade de desafiar a constitucionalidade de certas leis.
O relatório não cita os nomes dos
grupos religiosos envolvidos nessa concentração de poder. Mas indica que a
entidade está ainda preocupada com "o assédio, intimidação e até violência
contra pessoas de religiões afro no Brasil, incluindo a vandalização de locais
de culto".
No documento que serve de
referência para o informe que será apresentado em maio, a ONU usa os dados
coletados pela relatora especial Rita Izsák. Em seu levantamento de fevereiro
de 2016, ela aponta como membros de religiões afro tem visto os grupos
evangélicos como uma ameaça à liberdade religiosa. "Muitos frequentadores
de terreiros apontam que são assediados por evangélicos, incluindo por esforços
de conversão agressiva e a distribuição de panfletos em locais de culto".
Negros
Um dos temas centrais que será
debatido na sabatina é a violência "generalizada" e muitas vezes
cometidas pela Polícia Militar e forças de segurança contra minorias. Mas nos
dados compilados, a entidade deixa claro que está preocupado com a dimensão
racial dessa violência. "Dos 56 mil homicídios que ocorrem a cada ano, 30
mil envolvem vítimas de 15 a 29 anos de idade, dos quais 77% são afro-brasileiros",
diz.
Usando outro dado do Grupo de
Especialistas sobre Povos de Descendência Africana, o informe alerta para o
foco excessivo da violência policial contra negros. O mesmo grupo ainda destaca
que essa mesma população está "sobre-representada em empregos de baixa
qualificação e nas prisões". O informe também denuncia o número baixo de
mulheres negras em posições de poder e a "desigualdade persistente em
termos de acesso a empregos".
No que se refere à pobreza, o
documento aponta que ainda são os afrodescendentes os mais afetados. De 16
milhões de brasileiros que vivem em extrema pobreza, 70% são negros.
Os relatores da ONU admitiram que
houve um progresso econômico "significativo" no Brasil nas últimas
décadas. "Mas enquanto programas como Minha Casa, Minha Vida e Bolsa
Família ajudaram muitas das comunidades, a desigualdade para afro-brasileiros
continuou".
O que preocupa ainda os relatores
da ONU é que os planos de congelar gastos públicos por 20 anos são
"incompatíveis com as obrigações de direitos humanos do país",
principalmente diante desse cenário ainda de desigualdade.
Uma situação de desigualdade
também é registrada na educação. De acordo com o informe, 64% dos
afrobrasileiros não completam a educação básica. Segundo a Unesco, ainda que o
Brasil tenha aumentado de forma "significativa os investimentos em
educação na última década, o País ainda enfrenta desafios maiores no
financiamento da educação".
O relatório também aponta que
"ainda que ações afirmativas tenham sido implementadas com sucesso no
Brasil, as desigualdades raciais persistem no sistema educacional".
"Se as cotas inicialmente permitiram o acesso à educação universitárias,
os custos associados a isso ainda tornam a educação difícil aos
estudantes", aponta. Com base nos informes do Grupo de Trabalho, o
relatório aponta que existem ainda preocupações sobre o treinamento de
professores e a oposição a ensinar a cultura afrobrasileira nas escolas.
Outro grupo que sofre também são
os indígenas. Para os relatores da ONU, existe um "fracasso do estado em
proteger as terras desses povos de atividades ilegais", enquanto os cortes
de orçamento na Funai podem representar uma ameaça.
Tortura
Na sabatina, o governo brasileiro
ainda terá de responder pela situação das prisões brasileiras. De acordo com o
informe, existe um "consistente e repetido" cenário de tortura por
parte da polícia, além da falta de independência de institutos médicos
forenses.
Em um esforço para lidar com a
crise nas penitenciárias, os relatores da ONU sugerem a ampliação de penas
alternativas. "A falta de saneamento e superlotação transformaram as
prisões em locais onde a prevenção de doenças é um desafio permanente",
disse.
Lembrando de massacres em prisões
em janeiro deste ano, o documento também aponta como os relatores estão
"profundamente preocupados com os incidentes de extrema violência,
incluindo homicídios, entre detentos".
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