Zygmunt
Bauman: “As redes sociais são uma armadilha”
continuação
O sociólogo
Zygmunt Bauman. / SAMUEL SÁNCHEZ
P. Você sustenta que o movimento dos indignados
“sabe como preparar o terreno, mas não como construir algo sólido”.
R. O povo esqueceu suas diferenças por um tempo,
reunido na praça por um propósito comum. Se a razão é negativa, como se
indispor com alguém, as possibilidades de êxito são mais altas. De certa forma,
foi uma explosão de solidariedade, mas as explosões são muito potentes e muito
breves.
P. E você também lamenta que, por sua natureza “arco
íris”, o movimento não possa estabelecer uma liderança sólida.
R. Os líderes são tipos duros, que têm ideias e
ideologias, o que faria desaparecer a visibilidade e a esperança de unidade.
Precisamente porque não tem líderes o movimento pode sobreviver. Mas
precisamente porque não tem líderes não podem transformar sua unidade em uma
ação prática.
P. Na Espanha, as consequências do 15-M chegaram à
política. Novos partidos emergiram com força.
"O 15-M, de certa forma, foi uma explosão de
solidariedade, mas as explosões são potentes e breves"
R. A mudança de um partido por outro não vai a
resolver o problema. O problema hoje não é que os partidos estejam equivocados,
e sim o fato de que não controlam os instrumentos. Os problemas dos espanhóis
não estão restritos ao território nacional, são globais. A presunção de que se
pode resolver a situação partindo de dentro é errônea.
P. Você analisa a crise do Estado-nação. Qual é a sua
opinião sobre as aspirações independentistas da Catalunha?
R. Penso que continuamos com os princípios de
Versalhes, quando se estabeleceu o direito de cada nação baseado na autodeterminação.
Mas isso, hoje, é uma ficção porque não existem territórios homogêneos.
Atualmente, todas as sociedades são uma coleção de diásporas. As pessoas se
unem a uma sociedade à qual são leais, e pagam impostos, mas, ao mesmo tempo,
não querem abrir mão de suas identidades. A conexão entre o local e a
identidade se rompeu. A situação na Catalunha, como na Escócia ou na Lombardia,
é uma contradição entre a identidade tribal e a cidadania de um país. Eles são
europeus, mas não querem ir a Bruxelas por Madri, mas via Barcelona. A mesma
lógica está emergindo em quase todos os países. Mantemos os princípios
estabelecidos no final da Primeira Guerra Mundial, mas o mundo mudou muito.
P. As redes sociais mudaram a forma como as pessoas
protestam e a exigência de transparência. Você é um cético sobre esse “ativismo
de sofá” e ressalta que a Internet também nos entorpece com
entretenimento barato. Em vez de um instrumento revolucionário, como alguns
pensam, as redes sociais são o novo ópio do povo?
R. A questão da identidade foi transformada de algo
preestabelecido em uma tarefa: você tem que criar a sua própria comunidade. Mas
não se cria uma comunidade, você tem uma ou não; o que as redes sociais podem
gerar é um substituto. A diferença entre a comunidade e a rede é que você
pertence à comunidade, mas a rede pertence a você. É possível adicionar e
deletar amigos, e controlar as pessoas com quem você se relaciona. Isso faz com
que os indivíduos se sintam um pouco melhor, porque a solidão é a grande ameaça
nesses tempos individualistas. Mas, nas redes, é tão fácil adicionar e deletar
amigos que as habilidades sociais não são necessárias. Elas são desenvolvidas
na rua, ou no trabalho, ao encontrar gente com quem se precisa ter uma
interação razoável. Aí você tem que enfrentar as dificuldades, se envolver em
um diálogo. O papa Francisco, que é um grande homem, ao ser eleito, deu sua
primeira entrevista a Eugenio Scalfari, um jornalista italiano que é um ateu
autoproclamado. Foi um sinal: o diálogo real não é falar com gente que pensa
igual a você. As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil
evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus
horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto,
onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que
veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem
serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha.
Estado de crise.
Zygmunt Bauman e Carlo Bordoni. Editora Zahar. 192 págs., 39,90 reais.
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