sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Dreams, dreams, dreams...



Como os sonhos podem ter papel terapêutico no fim da vida de uma pessoa
parte II
Jan Hoffman
Em Lancaster, New York (EUA)
  • Jonathon Rosen/The New York Times








Essa pesquisa ainda está no início. Os investigadores, conselheiros e médicos de cuidados paliativos, estão tentando identificar e descrever os fenômenos. Quill afirma que acredita que os estudos vão tornar essas experiências mais acessíveis aos médicos céticos.

"O maior desafio desse trabalho é ajudar os pacientes a se sentirem mais normais e menos solitários durante essa experiência incomum de morrer. Quanto mais afirmarmos que essas pessoas realmente têm sonhos e visões vívidas, mais poderemos ajudá-las", afirma ele.

Outra pesquisa sugere que os sonhos expressam emoções acumuladas. Tore Nielsen, pesquisador de Neurociência do Sonho e diretor do Laboratório de Sonhos e Pesadelos da Universidade de Montreal, acredita que no final da vida a necessidade de expressá-las é maior. Os sonhos conturbados aparecem com uma energia excessiva. Mas sonhos positivos têm propósitos parecidos.

"A motivação e a urgência desses sonhos vêm de um lugar de medo e incertezas. Os sonhadores estão literalmente saindo dessas situações difíceis", conta ele.

Nas semanas e dias antes da morte, os sonhos dos pacientes da pesquisa tenderam a ocorrer com mais frequência, povoados com os mortos ao invés dos vivos. Os pesquisadores imaginam que esse fenômeno pode até ter valor de prognóstico.
"Eu era um médico agressivo, sempre me perguntando 'O que mais podemos fazer?'", conta Kerr, que também é diretor médico do Lar Buffalo. "Havia um paciente que pensei que precisava ser reidratado, e assim poderíamos mantê-lo por mais algum tempo." Mas, diz ele, uma enfermeira que conhecia os sonhos do paciente advertiu: "'Não é isso. Ele está vendo a mãe morta'. Ele faleceu dois dias depois".

Certamente, muitos pacientes que estão à beira da morte não podem se comunicar. Ou contam apenas pequenos trechos: um anão levantando uma geladeira, vizinhos trazendo uma galinha e a visita de um macaco ao seu apartamento. E alguns, para seu próprio desapontamento, não se lembram dos sonhos.

Kerr, que recentemente falou no TEDxBuffalo sobre a pesquisa, disse que estava simplesmente defendendo que os provedores de serviços de saúde perguntassem aos pacientes sobre seus sonhos, sem medo de recriminação por parte das famílias e dos colegas.

"Frequentemente, quando os sedamos, estamos esterilizando o próprio processo da morte. Já fiz isso e é horrível. Eles dizem: 'Você tirou isso de mim -- eu estava com minha mulher'."

Complexidades do delírio

Enquanto a paciente estava deitada na cama, com a mãe ao seu lado, teve uma visão: viu a melhor amiga da mãe, Mary, que havia morrido de leucemia anos atrás, no quarto de sua mãe, brincando com as cortinas. O cabelo de Mary estava comprido novamente. "Tive a impressão de que ela veio me dizer: 'Você vai ficar bem'. Senti alívio e felicidade e não fiquei com medo", contou Jessica Stone, de 13 anos, que teve Sarcoma de Ewing, um tipo de câncer nos ossos, poucos meses antes de morrer.

Muitas pessoas em lares e instituições sofrem de delírios, algo que pode afetar até 85 por cento dos pacientes hospitalizados no final da vida. Em um estágio de delírio -- causado por febre, metástase no cérebro ou mudanças terminais na química do corpo -- o ritmo circadiano fica severamente desordenado, assim os pacientes podem não saber se estão sonhando ou se estão acordados. A cognição fica alterada.

Quem cuida de pessoas com doenças terminais tem a propensão de ver os sonhos do final da vida como manifestações de delírios. Mas no Lar Buffalo os pesquisadores dizem que, apesar de alguns pacientes da pesquisa entrarem e saírem de um estado de delírio, os sonhos de final de vida não eram, por definição, um produto desse estado. Quem está delirando geralmente não consegue se envolver com os outros nem fazer uma narrativa coerente e organizada. As alucinações descritas podem ser traumatizantes, não reconfortantes.

Ainda assim, permanece a questão de o que fazer com as afirmações de que estavam "sonhando acordados" ou tendo "visões" -- e com o fenômeno não tão incomum de ver parentes ou amigos mortos pairando perto do teto ou nos cantos.]

DonnaBrennan, enfermeira de longa data do Lar Buffalo, lembra-se de conversar com uma paciente de 92 anos com insuficiência cardíaca congestiva. De repente, a paciente olhou para a porta e gritou: "Só um minuto, estou falando com a enfermeira".

Quando avisada de que não havia ninguém ali, a paciente sorriu e disse que era a tia Janiece (sua irmã já falecida) e deu um tapinha na almofada, mostrando à "visitante" onde se sentar. Então a paciente alegremente virou-se para a enfermeira e continuou a conversa.

Em suas notas, Donna descreveu o episódio como uma "alucinação", um sinal de delírio. Quando o episódio foi recontado para Kerr e Anne Banas, neurologista do Lar Buffalo e médica de cuidados paliativos, eles preferiram o termo "visão".

"Existe sentido para as visões ou elas são desorganizadas?", pergunta Anne. "Se existe sentido, precisa ser explorado? Elas trazem conforto ou são angustiantes? Temos a responsabilidade de fazer essas perguntas. Pode ser catártico, e os pacientes muitas vezes precisam compartilhar. E se não perguntarmos, veja o que podemos perder."

O doutor William Breitbart, presidente do departamento de Psiquiatria do Centro de Câncer do Memorial Sloan Kettering, que escreveu sobre delírios e cuidados paliativos, diz que a resposta da equipe também deve considerar as pessoas que estão sempre ao lado dos pacientes: "Esses sonhos e visões podem ser interpretados por membros da família como reconfortantes, porque os ligam a seus ancestrais".

"Mas quem não acredita nisso, pode ficar angustiado. 'Minha mãe está alucinando e vendo mortos. Faça alguma coisa!'." Breitbart treina sua equipe para respeitar as crenças familiares e ajudá-las a entender a complexidade dos delírios.

Alguns episódios de sonhos ocorrem durante o que é conhecido como "sono em estado misto" -- quando as fronteiras entre a vigília e o sono se fragmentam, explica o doutor Carlos H. Schenck, psiquiatra e especialistas em sono da Escola de Medicina da Universidade de Minnesota. Jessica Stone, a adolescente com sarcoma de Ewing, falou com emoção sobre um sonho com seu cachorro morto, Shadow. Quando acordou, contou, viu o corpo longo e escuro do animal ao lado de sua cama.

Anne Banas, a neurologista, foca na fase de experiências de final de vida. "Tento mostrar para a família que é normal, porque a maneira como eles percebem a questão pode afastá-los ou aproximá-los do paciente", conta ela.

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