O
mistério da homossexualidade em animais
Melissa
Hogenboom Da BBC Earth
- 16 fevereiro 2015
Cientistas notaram que fêmeas do macaco-japonês buscam
prazer com outras fêmeas
Durante a temporada de
acasalamento de inverno, a competição por uma fêmea de macaco-japonês é
acirrada. Os machos não têm de disputar apenas com outros machos, mas também com
outras fêmeas.
Entre esses animais, objetos de
estudo do psicólogo Paul Vasey, da Universidade de Lethbridge, no Canadá, uma
fêmea sobe na outra e estimula seus genitais esfregando-os na parceira. As duas
se olham nos olhos durante a relação e tendem a permanecer semanas juntas,
inclusive para dormir e se defender de possíveis rivais.
Já se sabe que o comportamento
homossexual é bastante comum no reino animal, envolvendo de insetos a
mamíferos. Mas será que é possível chamar esses bichos de homossexuais?
O primeiro livro que trouxe o
assunto para o centro das discussões foi Biological Exuberance, de Bruce
Bagemihl, publicado em 1999. O texto citava inúmeros exemplos de relações
homossexuais em uma grande variedade de espécies, que logo viraram objeto de estudo
sistemático por parte dos cientistas.
Evolução
Besouros machos depositam esperma em outros e acabam por
fertilizar mais fêmeas
Segundo Vasey, apesar de centenas
de espécies terem sido observadas em relações sexuais com parceiros do mesmo
sexo em ocasiões isoladas, poucas delas fazem disso uma parte rotineira de suas
vidas.
No caso dos macacos-japoneses,
Vasey e sua equipe observaram que mesmo participando de relações sexuais com
outras fêmeas, elas continuavam interessadas nos machos. Entre esses animais,
as fêmeas frequentemente montam no macho, aparentemente para incentivá-los a
acasalar.
Em alguns casos, existem razões evolucionárias
para explicar o comportamento homossexual dos animais.
Por exemplo: em seus primeiros 30
minutos de vida, machos das moscas-das-frutas tentam copular com qualquer outra
mosca, macho ou fêmea. Só depois eles aprendem a reconhecer o odor das fêmeas
virgens e se concentram nelas.
Essa abordagem de tentativa e
erro pode parecer ineficaz. Mas para o biólogo David Featherstone, da
Universidade de Illinois, trata-se de uma boa estratégia. Na natureza, moscas
de diferentes habitats podem apresentar misturas de feromônios
ligeiramente diferentes.
"Um macho poderia perder a
oportunidade de ter filhotes viáveis se fossem programados para reconhecer
apenas um tipo de odor", afirma.
Os besouros-castanhos machos usam
um truque diferente. Eles copulam entre si e até depositam esperma no parceiro.
Se o macho que estiver carregando esse esperma acasalar depois com uma fêmea,
esse esperma poderá ser transferido – assim, o macho que produziu o esperma
fertiliza uma fêmea sem ter que cortejá-la.
Em ambos os casos, os machos
estão usando um comportamento homossexual como uma maneira de fertilizar mais
fêmeas.
Por isso, fica claro por que
esses comportamentos podem ter sido favorecidos durante a evolução das
espécies. Mas também se nota que essas duas espécies estão longe de serem
estritamente homossexuais.
'Homo' ou 'bi'?
Entre aves, algumas fêmeas se unem a outras para cuidar de
seus filhotes
Outros animais, no entanto,
realmente parecem ser totalmente gays. Um deles é o albatroz-de-laysan, que
vive no arquipélago americano do Havaí.
Entre esses enormes pássaros, os
casais normalmente permanecem 'casados' por toda a vida e participam ativamente
dos cuidados com os filhotes.
Mas em uma população da ilha de
Oahu, 31% dos casais são formados por duas fêmeas sem parentesco entre si. E
mais: elas cuidam de filhotes cujos pais são machos que já estão em um
'casamento estável' com outra fêmea, mas 'pulam a cerca' para acasalar com uma
ou ambas as fêmeas do casal de mesmo sexo.
Segundo a bióloga Marlene Zuk, da
Universidade de Minnesota, se as fêmeas de albatrozes não criassem seus filhotes
com outra fêmea, teriam mais dificuldades para chocar seus ovos e buscar
comida.
Mas, novamente, não se trata de
animais inerentemente homossexuais. Estudos dessa e de outas espécies de
pássaros sugerem que a união homossexual ocorre como uma resposta à falta de
machos e é mais rara quando uma população tem uma proporção mais equilibrada
entre os dois sexos.
Bonobos podem usar o sexo para ganhar influência em um
grupo
E se olharmos para nossos
parentes mais próximos, os primatas hominoides? Os bonobos, por exemplo, são
uma espécie de chimpanzé extremamente ativa sexualmente. Tanto machos quanto
fêmeas apresentam comportamentos homossexuais.
Mas o sexo entre esses animais
também tem a função de consolidar as relações sociais. Bonobos podem usar o
sexo para se aproximar de membros dominantes do grupo e assim ganhar mais
status. Até mesmo os mais jovens costumam confortar outros com abraços e atos
sexuais.
Algumas espécies de golfinhos
também apresentam comportamentos homossexuais que os ajudam dentro do grupo.
Mas, no fim, todos acasalam com membros do outro sexo para se reproduzirem.
Todas essas espécies seriam
melhor descritas como 'bissexuais', pois transitam facilmente entre os dois
comportamentos e não mostram uma orientação sexual consistente.
Homossexuais 'puros'
Segundo cientistas, 8% dos carneiros domesticados
permanecem com sua opção pelo mesmo sexo
Apenas duas espécies
reconhecidamente exibem preferência pelo mesmo sexo pelo resto da vida, mesmo
quando há parceiros suficientes do outro sexo. Uma delas, claro, é a espécie
humana. A outra é o carneiro domesticado.
Em rebanhos ovinos, até 8% dos
machos preferem outros machos mesmo quando há fêmeas férteis no grupo.
Em 1994, neurocientistas
descobriram que esses machos tinham o cérebro ligeiramente diferente do resto,
com um hipotálamo menor – a parte que controla a liberação de hormônios
sexuais.
Isso endossaria o polêmico estudo
do neurocientista Simon LeVay, que em 1991 descreveu uma diferença entre a
estrutura cerebral de homens gays e heterossexuais.
Mas LeVay acredita que carneiros
selvagens não apresentam o mesmo comportamento. Segundo ele, o animal
domesticado foi aos poucos sendo 'manipulado' por criadores para produzir
fêmeas que se reproduzem o mais frequentemente possível, o que pode ter
permitido o aumento do número de machos homossexuais.
Por isso, tanto LeVay quanto
Vasey afirmam que os humanos são o único caso documentado de 'verdadeira'
homossexualidade entre animais selvagens.
Talvez nunca encontremos um
animal selvagem que seja estritamente homossexual como muitos humanos. Mas
podemos estar certos de que vamos descobrir cada vez mais animais que não se
encaixam nas categorias tradicionais de orientação sexual.
Eles usam o sexo para satisfazer
todo tipo de necessidade, do simples prazer à afirmação social. E isso exige
flexibilidade.
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