Como os
sonhos podem ter papel terapêutico no fim da vida de uma pessoa III
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Jan Hoffman
Em Lancaster, New York (EUA)
Em Lancaster, New York (EUA)
- Jonathon Rosen/The New York Times
…ULTIMA PARTE.
Reviver um trauma
O paciente nunca havia falado
realmente sobre a guerra. Mas em seus sonhos finais, as histórias surgiram. No
primeiro, os mortos estavam por toda parte. Na Praia Omaha, na Normandia. Nas
ondas. Ele foi artilheiro aos 17 anos e estava em um barco de resgate, tentando
freneticamente trazer os soldados de volta para o USS Texas. "Só há morte
e homens mortos ao meu redor", contou ele. Em outro, um soldado falecido
disse a ele: "Eles vêm buscá-lo na semana que vem". Finalmente, sonhou
que recebia os documentos de dispensa, o qual descreveu como
"reconfortante". John, de 88 anos, que teve um linfoma, morreu
dormindo dois dias depois.
Mas nem todos os sonhos de final
de vida acalmam as pessoas que estão morrendo. Os pesquisadores descobriram que
cerca de 20 por cento são perturbadores. Frequentemente, quem sofreu um trauma
pode revivê-lo em sonhos à beira da morte. Alguns conseguem resolver a
experiência. Outros não.
Quando é preciso intervir com
remédios antipsicóticos ou ansiolíticos para ajudar o paciente a ter uma morte
pacífica? Para os médicos do Lar Buffalo, a decisão é tomada com uma equipe de
avaliação que inclui as opiniões dos membros da família.
Kerr explica: "Os filhos vão
ver os pais em estados alterados e acham que estão sofrendo ou lutando contra a
morte. Mas se você disser: 'Ela está falando sobre pessoas falecidas, e isso é
normal. Aposto que você pode aprender muito sobre ela e sua família', pode ver
que os parentes vão se acalmar e tomar notas".
Sem informação suficiente da
família, a equipe pode não saber como interpretar a agitação do paciente. Uma
delas parecia atormentada por pesadelos. A equipe do Lar Buffalo entrevistou
pessoas da família, que de modo relutante contaram que a mulher havia sido
abusada sexualmente quando era menina. A família estava horrorizada com o fato
de ela estar revivendo essas memórias em seus últimos dias.
Com essa informação, a equipe
preferiu administrar um ansiolítico, ao invés de apenas antipsicóticos. A
mulher relaxou e foi capaz de se comunicar com um padre. Ela morreu dormindo
calmamente alguns dias depois.
No final do ano passado, a
enfermeira Donna Brennan estava cuidando de um ex-policial no estágio final de
um câncer de pulmão. Ele contou a ela que havia "feito coisas ruins"
no emprego. Disse que tinha traído a mulher e estava afastado dos filhos. Seus
sonhos nunca eram pacíficos. "Ele era esfaqueado, levava um tiro ou não
podia respirar. Pedia desculpas para a mulher e ela não respondia, ou lembrava
a ele o quanto a havia machucado. Ele é uma alma torturada."
Alguns provedores de cuidados
paliativos acreditam que esses sonhos são o centro de uma experiência
espiritual e não deveriam ser manipulados. Quill, que chama as pessoas com
essas visões de "românticos da casa de saúde", não concorda.
"Deveríamos
abrir a porta com nossas questões, mas não forçar os pacientes a passar por
ela. Nosso trabalho é testemunhar, explorar e diminuir a solidão. Se for
benigno e rico em conteúdo, que venha. Mas se trouxer de volta dores sérias,
buscamos ajuda -- um psicólogo, um religioso -- porque nessa área, nós médicos
não sabemos o que fazer."
Alívio para os vivos
No primeiro sonho, uma aranha
preta com olhos pequenos chegou perto de seu rosto. Em seguida, transformou-se
em um grande caminhão preto com uma carroceria vermelha, caindo sobre ela.
Aterrorizada, ela se forçou a acordar. Em outro sonho, teve que passar por sua
lavanderia para chegar à cozinha. Olhou para baixo e viu umas 50 aranhas pretas
rastejando no chão. Ficou apavorada! Mas quando olhou mais de perto, viu que
eram joaninhas. "Joaninhas são fofas e eu sabia que não iam me machucar.
Então fui para a cozinha", contou Rosemary Shaffer, de 78 anos, dois meses
antes de morrer de câncer de cólon.
Jonathon Rosen/The New York Times
Os pesquisadores do Lar Buffalo
descobriram que esses sonhos confortam não apenas os que estão morrendo, mas
também quem fica.
Kathleen Hutton não larga os
diários de sonhos do final da vida mantidos meticulosamente por sua irmã,
Rosemary Shaffer, ex-professora de educação primária e diretora de escola.
Rosemary escreveu sobre as aranhas e os caminhões e sobre as joaninhas. Em um
sonho, viu flores em uma funerária, que a lembraram das que a filha pintava em
cachecóis artesanais. Ela se sentiu amada e feliz.
"Ainda bem que ela podia falar de seus sonhos com as pessoas do Lar. Ela sabia que era o seu subconsciente trabalhando em seus sentimentos. Ficou muito mais em paz", afirma Kathleen.
"Ainda bem que ela podia falar de seus sonhos com as pessoas do Lar. Ela sabia que era o seu subconsciente trabalhando em seus sentimentos. Ficou muito mais em paz", afirma Kathleen.
Saber disso acalmou sua própria
dor, afirma Kathleen, que chorava enquanto apertava os diários durante uma
visita ao lar.
Vários meses atrás, a enfermeira
Donna, sentou-se ao lado de um marido desesperado, cuja mulher tinha um câncer
no pâncreas que havia se espalhado pelo fígado. Ela havia lhe contado sonhos
com trabalho, Deus e conhecidos já falecidos. A paciente disse que achava que
seria bem-vinda ao paraíso. Que Deus afirmara que ela havia sido uma boa mulher
e mãe.
"O
marido estava bravo com Deus. Eu disse: 'Mas Ann não está. Os sonhos não são
assustadores para ela. São uma confirmação'", conta Donna.
"Ele
só abaixou a cabeça e chorou."
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